Sexta-feira,
3/1/2003
Ver para crer
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 115 >>>
Ainda está nas bancas. E ainda vale a pena ler. Mesmo sendo edição especial de dezembro de 2002. Desde a sua venda, e conseqüente reformulação, que a Cult vem atirando para todos os lados. No bom e no mal sentido. No bom porque desistiu daquele ponto de vista estóico, focado só em literatura. (Num certo senso burocrático e uspiano.) E no mal porque não conseguiu se curar da crise de identidade. A mesma que grassa na imprensa toda. (A Cult, pelo menos, assume.) Enfim, foi muito corajosa ao falar de religião, em sua edição 64. Como aponta o ensaio de Luiz Felipe Pondé, a discussão caiu em descrédito. Os religiosos colocando a fé antes da razão; e os céticos colocando a ciência como medida para todas as coisas. Pondé retrocede até o século XIX, para mostrar como o homem caiu num abismo; e como a criação perde o seu sentido, no sacrifício perpétuo de vidas que não levam a nada. Não é novidade, querer retomar a escolástica, e mesmo o medievalismo clássico. Descartes que, digamos, "derrubou" todo esse arcabouço tem sido atacado até na seara da neurociência (vide Antonio Damasio). Paga ainda hoje pelo advento da "dúvida sistemática" (estandarte de dez entre dez pensadores que não acreditam em nada). Russell também entra na contabilidade de Pondé, negativamente, por ter feito pouco da filosofia católica (em sua "História da Filosofia Ocidental"). De fato, rejeitar o opus de São Tomás de Aquino, a quem se deve a canonização de Aristóteles, não é atitude recomendável. Claro, tem gente aproveitando essa onda, a era de aquário, para reavivar antigos preconceitos de classe. A sociedade de castas, por exemplo: em que os escolhidos são, por definição, melhores que os demais. A perseguição a homossexuais (porque não "procriam" e são moralmente "reprováveis") e a retomada do racismo (pois quem manda é o velho macho, adulto, branco). E os piores entusiastas desse "revival" são os que têm objetivos políticos e ideológicos. Uma retomada da direita mais quadrada, dos regimes de exceção e do militarismo (believe it or not). Óbvio que não têm nada a ver com Jesus Cristo; muito menos com filosofia e religião. Portanto, é importante ler a Cult, mas ter em mente também os (neo)convertidos de ocasião. Há sempre muitas outras intenções por debaixo do pano.
>>> Revista Cult
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Julio Daio Borges
Editor |
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