Segunda-feira,
6/1/2003
O justo valor
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 115 >>>
Quem acompanha o choro e a música instrumental, no Brasil, certamente já ouviu falar de Henrique Cazes. É um dos mais talentosos cavaquinistas de sua geração. Além de maestro ocasional e também escritor. Assina uma das melhores histórias do chorinho de que se tem notícia: "Choro: do Quintal ao Municipal". Nos bastidores, acumula ainda a função de contador e colecionador de casos sobre o meio em que atua. Tem um vasto repertório de anedotas, que apresenta em shows (vide a série "Sem tostão", ao lado de Cristina Buarque) – e finalmente resolveu agrupá-las em livro. O volume intitula-se "Suíte gargalhadas", saiu pela José Olympio e reúne dezenas de episódios engraçados e/ou curiosos. Embora "ao vivo" seja indubitavelmente muito hábil e convincente como piadista, por escrito Henrique Cazes perde grande parte da graça. Infelizmente. Fora que há uma certa inclinação, fácil, ao palavrão e à escatologia, que depõem contra o seu profissionalismo e o seu brilho, como instrumentista. É como se, de repente, não quiséssemos saber que Miúcha rogou aos céus por uma levantada no seu derrière; ou então que Aracy de Almeida se insinuou, explicitamente, para o maestro Radamés Gnattali. Há, enfim, cenas que não mereciam cair no domínio público. Pelo bem da classe artística. (Pudor? Pode até ser.) Claro, todo mundo sabe da boemia e da permissividade nesses meios – mas será que ambas merecem ser reveladas, assim, em detalhes? Lógico: apesar do tom predominantemente escrachado, sobram momentos verdadeiramente engraçados, para enriquecer o folclore. Como aquele em que Tom Jobim se recusou a ir a Cuba, alegando que, para ele, ilha só mesmo Manhattan; ou então quando Cazes resume a situação do músico à pergunta que ele faz sobre o cachê: "Quanto é o serviço?" (bonança); "Quanto é a paga?" (meio-termo); "Tem lanche?" (vacas magras). São duzentas páginas com orelha de Marcelo Madureira e João Máximo (o que talvez explique a dubiedade do resultado, entre rasteiro e elevado). Para ser liquidado em duas horas, "Suíte gargalhadas" acaba restrito à classe dos músicos (provavelmente mais afeita às suas intenções e comicidade).
>>> "Suíte gargalhadas" - Henrique Cazes - José Olympio - 203 págs.
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Julio Daio Borges
Editor |
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