Quinta-feira,
16/1/2003
E la nave va
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 117 >>>
Não é assistindo aos filmes de hoje que vamos considerar o cinema mais que uma mera diversão. A partir da atual cinematografia, é quase impossível admitir que, antes, tantas vocações fossem empenhadas na simples ambição de se tornar cineasta. Não levamos o cinema mais tão a sério, esse é o fato. E terminamos sem entender como tantas cabeças jovens, e cheias de idéias, atiravam-se nesse precipício de insatisfação, incompreensão e derrotas. Até que entramos numa sessão de Fellini - aí tudo se justifica. Dizem que toda grande obra encerra um painel completo da existência humana. É o que ocorre em "A Estrada" ("La Strada", 1954), do diretor italiano. O longa conta a saga de Gelsomina (encarnada por Giulietta Masina, mulher de Fellini), que é vendida pela mãe a um artista de circo, Zampanò (Anthony Quinn), e deve acompanhá-lo em suas viagens pela Itália. À medida que o país, as cidades, se revelam a Gelsomina, são-lhe também abertas as portas da idade adulta. É a tal perda da inocência - mas, ao mesmo tempo, a conservação da mesma, que sobrevive para além da própria protagonista, sempre evocada pela trilha sonora de Nino Rota. Gelsomina, uma moça tímida, quase muda, aprende o ofício de artista de circo, ao mesmo tempo em que se adapta à convivência com um homem infiel e bruto. Lança-se à ilusão do casamento, decepciona-se; tenta fugir, mas volta. Muito sutilmente, apaixona-se. Assiste às disputas entre o seu marido e o rival, que têm um desfecho trágico, do qual Gelsomina não se recupera jamais. Nem Zampanò. Parece impossível pensar que o cinema possa ser tão vasto e profundo. Mas é. Fellini é um criador - lá vem o chavão - do tipo que já não existe mais. Ele, sim, pode ter convencido multidões, pelo mundo, a seguí-lo e a seguir seu ofício de realizador. O século XX foi do cinema, não resta dúvida. Já o século XXI... (do que será?). Enquanto não descobrimos, uma cópia nova de "A Estrada" nos aguarda.
>>> La Strada
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Julio Daio Borges
Editor |
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