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Quarta-feira, 5/2/2003
Dom Casmurro

Julio Daio Borges




Digestivo nº 119 >>> É raro encontrar, nas nossas revistas semanais, uma entrevista com alguém que preste. Em geral, os entrevistados, produto das contingências do dia-a-dia, costumam se alternar entre: um político que acabou de ser eleito (ou um que está se retirando); um empresário brasileiro "de sucesso" (ou um magnata, emergente, norte-americano); um "especialista" ensinando a receita para não morrer (ou uma modelete revelando os segredos da magreza aos 20 anos). Nesta semana, no entanto, as expectativas se reverteram: enfim alguém que tem algo a dizer. Estamos falando de Harold Bloom, certamente um dos maiores críticos literários do nosso tempo, em Época. A revista, com um senso de oportunidade apurado, inclusive colocou um destaque na capa, induzindo à polêmica. Claro que só funciona para quem já souber quem é Harold Bloom - e/ou tiver alguma opinião sobre Harry Potter. A chamada, entretanto, tem dupla função: ao mesmo tempo em que vende o exemplar em banca, educa - afinal, Bloom, como era de se esperar, desanca a falsa literatura em torno do mini-bruxo: "É bruxaria barata reduzida a aventura. É prejudicial ao leitor. Não tem densidade. A escrita é horrível". (Agora: cadê os defensores? Do filme [pior ainda] e da série interminável de volumes?) Outro "highlight" da entrevista, não tão lowbrow, e de apelo mais forte junto aos norte-americanos, é a discussão acerca da genialidade. Em 2002, Bloom lançou: "Genius: A Mosaic of One Hundred Exemplary Creative Minds" e reclama de não ter sido compreendido nos Estados Unidos. Segundo ele, a razão é uma só: "Há um preconceito dos intelectuais americanos em relação à genialidade. O que vale é a 'cultura do homem comum'. Genialidade é algo antipático para a cidadania americana". E para a brasileira? Nossos intelectuais e professores citam, de boca cheia, Machado de Assis (também na lista de Bloom), preferindo ressaltar suas origens humildes a sua literatura propriamente dita, sofisticada e elitista (jamais ao alcance do povo). Machado, se surgisse hoje, seria um autor incômodo: produzindo um muxoxo a cada tropeço lingüístico do novo governo e jamais se adequando à intenção demagógica, de nossos realizadores, do centro para a periferia. Genialidade requer distância. De mais de um século, quiçá. Felizmente (ou infelizmente, para a correção política), Harold Bloom continua lançando seus livros. Estão no prelo mais dois: um sobre Hamlet e outro sobre o cânone crítico. Num país de tamanha aridez intelectual, como o Brasil, uma entrevista costuma valer mais que mil livros. Enfim: por mar ou por terra, leia-se Harold Bloom.
>>> Elas não são idiotas
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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