Segunda-feira,
24/3/2003
Em cima do piano
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 126 >>>
Há, no conto brasileiro das últimas décadas, uma certa tendência ao atomismo, que se estabeleceu e se notabilizou graças às investidas de Dalton Trevisan, um mestre no gênero. Também por conta de Rubem Fonseca, que, nos últimos livros, vem partindo para uma simplificação radical da linguagem: abolindo as marcações de diálogo; baseando seu estilo no coloquialismo; e depurando antigos temas cujas trilhas já havia percorrido. Não só por isso, mas talvez por isso, a literatura se fez palatável ao jornalismo, que vem tentando dizer cada vez mais com cada vez menos (uma tendência altamente destrutiva, aliás, como provam os principais cadernos de cultura do País, notadamente o do "Jornal da Tarde"). Enfim, para o bem ou para o mal, a aproximação ocorreu e um dos resultados mais palpáveis são os "contos mínimos" da jornalista e escritora Heloisa Seixas. Ela acaba de lançar, pela Cosac & Naify, "Sete vidas", em que reúne sete narrativas curtas (ou melhor: curtíssimas) sobre felinos. Gatos, para ser mais exato. O volume é compacto, como não poderia deixar de ser, e ricamente ilustrado pelo artista Iran do Espírito Santo. Enquanto Heloisa persegue os gatos em seu entorno, conferindo-lhes três ou quatro dimensões, Iran os representa no plano, em duas dimensões apenas, com formas bastante geométricas, jogando o preto no branco ou vice-versa. Embora seja uma literata (ou, ao menos, centre suas ambições nesse universo), a autora ainda faz um recorte assaz jornalístico de seus bichanos (ou, ao menos, fica na fronteira entre as duas coisas). Seja quando descreve um banho de lambidas; seja quando noticia a aparição de um gato falecido há anos; ou seja quando relaciona, à maneira dos cronistas, um felino seu com outro de uma revista. É sempre a jornalista que emerge da escritora. O que não chega a ser problemático, em absoluto - mas que também não confere a "Sete vidas" o status de literatura pura [isso se, para além da repetição, alguém ainda se importa]. O resultado, acima de tudo, é um livro agradável e distraído, para se ler num piscar de olhos. E, se os escrúpulos permitirem, devorá-lo ainda na livraria - embora a simpatia, o porte e uma certa fleuma nos obriguem a levá-lo para casa. Como um gato.
>>> Sete vidas - sete contos mínimos de gatos - Heloisa Seixas - 64 págs. - Cosac & Naify
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Julio Daio Borges
Editor |
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