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Segunda-feira, 12/5/2003
O Mundo Coberto de Penas

Julio Daio Borges




Digestivo nº 133 >>> Para relembrar os 50 anos da morte de Graciliano Ramos, a Record faz um plano de reedição da obra do alagoano que começa com “Vidas secas” (1938). Embora não seja o seu primeiro livro (o primeiro foi “Caetés” [1933]), é um dos mais representativos, na trajetória de um escritor que – considera-se – só compôs obras-primas. Além de um novo projeto gráfico, em tons pastéis, a edição traz um posfácio de Marilene Felinto, a colunista da “Folha”. Nele, há um esforço de reunir a fortuna crítica em torno do autor. Há também a chave para a criação de “Vidas secas”: numa carta endereçada à sua segunda esposa, Heloísa Ramos, Graciliano expõe as dificuldades na feitura de um conto sobre uma cachorra agonizante: Baleia. E o leitor não precisa conhecer o posfácio para perceber que a história de Fabiano, Sinhá Vitória e sua prole gira em torno da tal cachorra. Ao contrário do que às vezes se considera, é ela a suprema protagonista: quem salva a família da fome, logo nas primeiras páginas (ao caçar um preá); e quem encerra o romance, logo após o seu falecimento, épico (o tal conto que foi a origem de tudo). Ainda que não consuma mais que algumas horas do leitor, “Vidas secas” é denso e resulta de um esforço de concisão poética. Sendo Graciliano o mais importante romancista nordestino, não é difícil aproximá-lo da poesia de João Cabral de Mello Neto: bruta, econômica, vital. É um “escritor de escritores”, para ser saboreado a cada frase, a cada palavra. Dada a sua filiação ao Partido Comunista, e a forte temática social presente em seus trabalhos, a tendência, na segunda metade do século XX, foi de encerrá-lo nas muralhas da interpretação política. Talvez seja hora de reabilitá-lo no domínio estritamente literário, evocando Nélson Rodrigues, para quem não existiria uma “arte da leitura” e, sim, uma “arte da releitura”. Relendo Graciliano Ramos, poderemos redimensioná-lo e readmiti-lo no panteão de nossas influências, hoje tão parcas.
>>> Vidas secas - Graciliano Ramos - 175 págs. - Record
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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