busca | avançada
89046 visitas/dia
1,9 milhão/mês
Quinta-feira, 10/7/2003
Conforme

Julio Daio Borges




Digestivo nº 139 >>> Alguém deveria escrever um tratado sobre o amor rodriguiano. Alguém que não fosse Nélson Rodrigues, obviamente. Aos trinta e poucos anos, ele já sabia tudo o que passaria repetindo ao longo da vida: para quem ama, só existe o “ser amado” (o resto é “paisagem”); tem mulheres que nasceram para amar um único homem, e tem mulheres que nasceram para amar a todos e, portanto, a nenhum; depois do “primeiro beijo” é que começamos a morrer (ou então na variação de Raul Seixas e Paulo Coelho: ninguém neste mundo é feliz tendo amado uma vez). Nélson Rodrigues era trágico, de um mau gosto assumido e capaz de rompantes tremendos. Mas foi capaz, igualmente, de uma prosa exata, equilibrada, fluente – como poucas vezes se viu em português do Brasil (ainda mais na segunda metade do século XX). “Minha vida”, a autobiografia de Suzana Flag (o mais famoso pseudônimo feminino de Nélson), é de 1946. Saiu como folhetim, em capítulos, na revista “A Cigarra”, que, por causa disso, chegou a vender mais de 100 mil exemplares por mês (alguém consegue pensar em algum autor atual que hoje desperte furor semelhante, numa publicação que não seja nenhuma das “semanais” de sempre?). Vale ressaltar que o primeiro livro de Suzana, “Meu destino é pecar” (1944), vendeu 20 mil volumes logo de saída, e 50 mil nos dois primeiros anos. (O pessoal da “Biblioteca da Folha” comemora se passa dos 10 mil, a preços populares, apostando em clássicos consagrados e em propaganda maciça no horário nobre.) Desta vez, Suzana Flag nos reporta sua trajetória de amores, desde que passou de “menina” a “mulher” até o ponto em que encontrou seu “primeiro homem”. São incansáveis as reviravoltas, com o coração de Suzana se balançando por três admiradores: Jorge, o pretendente e o queridinho de sua avó; Tio Aristeu, o meio-irmão de seu pai, igualmente obcecado por sua mãe (a quem Suzana “puxou”); e Cláudio, o bom selvagem da perna-de-pau, que antes dela havia morrido “para a vida” e “para o amor”. Além de submeter o leitor a uma montanha-russa de sentimentos, Nélson é inevitavelmente cômico (a ponto de se questionar até onde ia a seriedade de sua proposta). Enfim, independentemente de se concordar com suas máximas, o dramaturgo continua dando aulas de português – por mais que se arranque coisas de seu baú.
>>> Minha vida - Suzana Flag - 240 págs. - Companhia das Letras
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

busca | avançada
89046 visitas/dia
1,9 milhão/mês