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Terça-feira, 15/7/2003
O bom crioulo

Julio Daio Borges




Digestivo nº 139 >>> Em meio ao alvoroço da pirotecnia digital, a delicadeza humana é posta de lado. Enquanto os “blockbusters” do verão americano ganham capas, páginas e mais páginas dos cadernos culturais tupiniquins, um filme como “Longe do Paraíso” (“Far From Heaven”, 2002) passa suave, quase imperceptível. Na verdade, o estardalhaço até combina com as últimas grosserias tecnológicas e com as reedições intermináveis de gêneros já decadentes. Enquanto isso, a economia de gestos, a atitude “low-profile” e até o colorido em tom pastel são a cara do mais recente longa de Julianne Moore nos cinemas brasileiros. Sim, porque nós a podemos chamar pelo nome e, de agora em diante (ou até antes), devemos procurar por ela nos créditos, quando precisarmos de uma indicação mais segura (sobre se a fita merece ou não ser assistida). Desta vez, Moore encarna uma dona de casa, diferente daquela de “As Horas” (2002): não é cheia de inquietações metafísicas, como uma Clarice Lispector doméstica, mas ciosa de seus deveres, dedicada aos filhos e ao marido, e também discretíssima. O suficiente para abafar uma crise no casal, não provocada por ela, que termina conduzindo à separação. Mas o seu estado civil, de uma maneira estanque, não é importante. O que importa é a relação muito sutil que desenvolve, em meio às sucessivas crises conjugais, com o homem que trata de seu jardim: um negro de porte impressionante, mas com voz aveludada, o mais fino trato e uma capacidade quase milagrosa de adivinhar-lhe os estados d’alma. A personagem de Moore nunca se insinua, porém. Sente-se enlevada pela simples presença de seu jardineiro, que muito ambiguamente lhe faz a corte, num misto de bom-mocismo e a mais pura admiração de um homem por uma mulher. Como as coisas se desenrolam a partir daí é o que o espectador irá descobrir – espantado entre as revelações bombásticas do marido e encantado com a possibilidade em que se converte esse “anjo negro”. É uma história de amor. E é o que basta.
>>> Longe do Paraíso
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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