Quarta-feira,
11/2/2004
Para quem tem paixão
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 161 >>>
Vinicius de Moraes não conhecia ainda Tom Jobim quando resolveu passar uma temporada na casa de um amigo, no Rio, e, folheando uma obra sobre o mito grego de Orfeu, teve um estalo. Da noite para o dia, redigiu o primeiro ato do seu “Orfeu da Conceição” (1943, título posteriormente sugerido pelo poeta João Cabral de Mello Neto). Na sua história, Orfeu trocava a lira pelo violão, era negro e habitava os morros cariocas. A peça foi premiada (por coincidência, no IV Centenário de São Paulo), mas só foi montada, no Municipal do Rio, quando o filme (“Orphée noir”, 1958) já estava em fase de pré-produção. Conforme reza a lenda, Tom Jobim foi chamado (naquele encontro histórico, no bar Vilarino) e a música começou a ser composta. Vinicius mostrou uma valsa que havia preparado para a formatura de sua filha, Susana, e Tom fez questão de incluí-la no programa: de “Valsa para Susana” passou a “Valsa de Eurídice”. São divertidíssimas as cartas em que este conta (àquele) como apresentava as canções em francês para um Marcel Camus exigente (o diretor do filme) e sua trupe. O resultado cinematográfico, embora tenha rodado o mundo, foi, para Vinicius e Tom, frustrante: sentiram-se traídos nas suas intenções e, da cor do dinheiro, viram muito pouco. A peça deu, obviamente, prejuízo (com cenários de Niemeyer, figurinos de Lila de Moraes, violão de Luiz Bonfá e regência de Leo Peracchi), não foi nem para São Paulo, e o Poetinha passaria anos pagando a todos (o combinado). A humanidade, no entanto, sairia lucrando, com: “Se todos fossem iguais a você” (a primeira da dupla), “A felicidade”, “Lamento no morro” e “Modinha”, entre outras. E a música popular nunca mais seria a mesma (vale lembrar que a Bossa Nova ainda nem tinha começado). Essa e outras histórias estão no recém-lançado “Cancioneiro Vinicius de Moraes: Orfeu”, pela Jobim Music (que pretende varrer toda a produção musical do autor do “Soneto da Separação”), sob coordenação de Ana Lontra Jobim (a viúva do Tom). Lá dentro: os arranjos de Paulo Jobim (filho do autor de “Águas de Março”), os textos de Sérgio Augusto e Cacá Diegues (que refez o “Orfeu” em cinema), mais extratos do livreto original. Mais que para músicos e melômanos, o livro é uma obra para quem enxerga nesse momento um marco fundador da nossa música.
>>> Cancioneiro Vinicius de Moraes: Orfeu - Jobim Music
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Julio Daio Borges
Editor |
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