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Quarta-feira, 21/4/2004
Testemunho imundo

Julio Daio Borges




Digestivo nº 171 >>> Michel Laub é um dos editores mais discretos dos últimos tempos. Há alguns anos ajuda a comandar a “Bravo!”, depois de uma passagem pela “Carta Capital” (na gestão Wagner Carelli). Laub, natural de Porto Alegre, se quase não fala da revista (a única a exercer, ainda amplamente, o tal do jornalismo cultural), praticamente silencia sobre sua produção literária. “Uma coisa [mais] minha”, classifica. À mesma maneira “low-profile”, também distribui suas realizações entre poucos (e bons) leitores. Ainda que da mesma geração de escrevinhadores internéticos, histéricos e até militantes (em suas blagues e em seus blogs), Michel Laub não se mistura e nem está preocupado em ser reconhecido como parte de uma “geração”. No que está absolutamente certo. Sua literatura (sim, ele faz literatura – ao contrário de muita gente...) não padece de nenhum dos clichês da de seus contemporâneos. “Longe da água” (Cia. das Letras, 2004), seu mais recente romance, é corretíssimo na linguagem (sem quaisquer experimentalismos); trata os temas com elegância (nunca vai entrar em detalhes sobre sexo e violência, por exemplo); e deixa uma funda impressão no leitor (em pouco mais de 100 páginas), pois seus personagens são de carne e osso. Laub não exorciza as frustrações de uma vida fracassada; não tem ambições de “social climber”; e quer falar para adultos (e não para adolescentes ouvintes de Charlie Brown Jr.). Essa é a diferença. Se alguém não está apto a captar essas sutilezas, melhor desistir agora. Tudo começa com duas histórias paralelas: a do narrador e a de Laura. Ambas naturalmente se cruzam, por culpa de Jaime: o jovem namorado de Laura e, por um tempo, o melhor amigo do narrador-protagonista. Uma fatalidade separa o trio e – muitos anos depois – Laura e o narrador vão se reencontrar em São Paulo, para onde seguem em busca de trabalho. Ela é uma artista gráfica à procura de emprego fixo e ele, um pouco mais experiente, já estabelecido como “faz-tudo”em uma pequena editora, fornece-lhe a oportunidade. Eles se reaproximam, e num misto de admiração e traição a Jaime, começam um namoro e uma vida em comum. Uma segunda fatalidade separa-os. Não é um enredo complicado (como se vê), e a beleza está justamente – comme il faut – nas entrelinhas. Michel Laub descreve, habilmente, os “anos de formação” do narrador-personagem: suas inseguranças; seus talentos; suas desgraças; e seus triunfos. Não cai na tentação fácil da autobiografia (nesse aspecto, está a anos-luz de seus colegas ao redor dos 30...). Se já se nutria simpatia pelo contido editor da “Bravo!”, o romancista pode e deve conquistar um lugar na estante de preferências do leitor mais sofisticado.
>>> Longe da água - Michel Laub - 120 págs. - Companhia das Letras
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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