Sexta-feira,
14/5/2004
Monólogo com a sombra
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 175 >>>
Marcelino Freire não gosta quando o chamam de “marqueteiro”. Se pudesse, disse em entrevista, mandava exterminar toda a crítica. O fato é que ele leva jeito para se promover. A si e às suas iniciativas. E isso é “marketing”. J. M Coetzee, o ganhador do último Nobel de literatura, disse – também em entrevista – que não faz sentido, para um escritor, promover a própria obra. Quando termina de escrever, se esvazia daquilo, e não vê lógica em realizar longos colóquios a respeito. Seu último livro, “Elizabeth Costello” (Cia. das Letras), aliás, fala disso. (Para o bem do paradoxo.) Já Marcelino Freire organizou a coletânea “Os cem menores contos brasileiros do século XXI”, para a coleção “5 minutinhos”, que coordena junto à Ateliê Editorial. O pequeno volume, de 10 por 12, é o encontro perigoso da literatura com o livro dos recordes. Marcelino chamou 100 escritores brasileiros do século XXI e obrigou-os a se limitar a 50 letras. Saiu de tudo. Desde piadas, como a de Jorge Furtado (“– Eu não te amo mais./ – O quê? Fala mais alto, a ligação está horrível!”) até aforismos, como o de Newton Moreno (“O ódio fica mais jovem a cada dia”). Quando o critério é a métrica e não a rima, os resultados são desiguais. Mesmo grandes mestres da narrativa curta, como Millôr Fernandes e Dalton Trevisan, tropeçam na bainha da saia, e não conseguem soar mais que engraçadinhos. Antônio Torres foi na média (“Mas o Rio continua lindo/ Pensa o desempregado ao pular do Corcovado”) e Cíntia Moscovich recaiu no inevitável jogo de palavras (“Uma vida inteira pela frente. O tiro veio por trás”). Ela e Ivana Arruda Leite salvaram a honra da “nova geração” (“Feijoada/ Confesso. Fui eu que enfiei a faca na barriga desse porco”). A seleção é eclética, e ninguém pode acusar Marcelino de ter sido descuidado ao chamar os nomes. Há desde os controversos Marcelo Mirisola, Mário Bortolotto e Joca Reiners Terron até os queridinhos Fernando Bonassi, Marçal Aquino e Miguel Sanches Neto. Philip Roth disse, uma vez, que se colocassem todos os escritores americanos num avião, e esse caísse, ninguém daria a mínima. Nós não chegamos ainda nesse estágio, e Marcelino Freire, marqueteiro ou não, está tentando tirar a literatura brasileira do limbo.
>>> Os cem menores contos brasileiros do século XXI - Marcelino Freire (org.) - 216 págs. - Ateliê Editorial
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Julio Daio Borges
Editor |
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