Quarta-feira,
2/6/2004
O receio de fisgar alguém submerso
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 177 >>>
“O homem escreve como quem grita./ A mulher escreve baixo, em prece” – são versos do novo livro de Fabrício Carpinejar, esse poeta de gênio que, além de tudo, é um “gentleman”. (Se Nélson Rodrigues estivesse vivo o chamaria de “o mais inglês dos ingleses”, e talvez até Antonio Callado perdesse na comparação.) O fato é que, segundo Daniel Piza, um dos últimos críticos literários dessa nossa época, “Cinco Marias” (Bertrand Brasil) é o livro mais importante no gênero desde “Muitas Vozes” (José Olympio, 1999), de Ferreira Gullar. É uma passagem de cetro, visto que Gullar foi visitado por Oswald de Andrade na mocidade, um fã ilustre, e agora dá as mãos a Carpinejar, de pouco mais de 30 anos. “Cinco Marias” conta, em versos, a história de cinco mulheres que enlouquecem progressivamente, em torno da morte do patriarca e em torno de uma biblioteca. Registram seus pensamentos num diário em conjunto; diário este forjado por Carpinejar. “Depois que inventaram o inconsciente,/ a verdade fica sempre para depois”. “Experimento tantas roupas/ antes de sair porque/ meu corpo não me serve”. “Na infância, vive-se a medida natural./ Depois, o desequilíbrio./ Ou sobra ou falta amor”. Mãe e filhas, todas Marias, se misturam nesse universo de feminilidade, ao qual pouquíssimos homens têm acesso. Carpinejar, o escolhido, acredita que uma mulher contém em si todas as idades: a menina, a moça, a mãe, a avó. Proclamou sua filosofia sábia, na noite de lançamento, em plena Livraria Cultura. “Quando ficamos surdos/ escutamos tudo, menos o silêncio”. “Cinco Marias” é finalmente o “Poema de Sete Faces” de Fabrício Carpinejar. Se antes faltava alguma coisa, agora não falta nada. “Na maioridade, virei minoria./ Sacrifiquei a confiança das palavras”.
>>> Cinco Marias - Fabrício Carpinejar - 123 págs. - Bertrand Brasil
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Julio Daio Borges
Editor |
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