Sexta-feira,
11/6/2004
L’Invitation au Voyage
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 179 >>>
Lamentavelmente, o público brasileiro de concertos hoje tem apenas uma vaga lembrança do que foi, um dia, a ópera. Assim, são fundamentais as apresentações de solistas como José Van Dam, que giram o mundo dando um gostinho do que foi o universo de Rossini, Bizet e até Mozart. Na Sala São Paulo, durante a abertura da Temporada 2004 do Mozarteum Brasileiro, o público (não de assinantes) se esbaldou com as caras & caretas, mesmo com as representações trágicas, que Van Dam emprestou a Berlioz (“La damnation du Faust”) e ao autor de “As Bodas de Fígaro”. Van Dam tem personalidade e, como observou Lauro Machado Coelho, propagou sua interpretação em todas as direções, graças a uma voz potente e a uma colocação de notas exata. De pronúncia clara e acentuação precisa, o baixo-barítono permitiu que os versos de Paul Verlaine (musicados por Debussy) e de Charles Baudelaire (por Henri Duparc) fossem apanhados no ar, mesmo pelos incautos que não conheciam a língua em que foram escritas “As Flores do Mal”. E a platéia quase entoaria “Mentre ti lascio” e “La calunia”, de Rossini (no bis), se dominasse melhor o italiano e se não se sentisse tão intimidada. (A ópera afinal foi, afirmam, diversão popular. Embora não pareça, nos tempos atuais, houve um momento em que até o teatro era considerado mais “sério” do que a ópera.) Acompanhou José Van Dam, Maciej Pikulski, ao piano. E nos intervalos se podia tropeçar em gravatas e em decotes proferindo sentenças em polonês castiço, direto do consulado em São Paulo. O pianista, muito mais jovem que Van Dam, e seu acompanhante desde 1993, manteve a exuberância contida de quem se sabe em segundo plano. Para a alegria geral, contudo, esbanjou técnica numa releitura de Liszt para “Il Trovatore”, de Verdi. Foi um dos pontos altos da apresentação. (Talvez evocando o cinematográfico encontro de Nelson Freire e Martha Argerich, que está programado pelo Mozarteum no segundo semestre.) Enfim, se a ópera é um gênero morto – em termos de montagens e de orçamentos megagalácticos –, José Van Dam mostrou que, nos corações das pessoas, ela não é não.
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Julio Daio Borges
Editor |
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