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Quarta-feira, 6/10/2004
La Valse

Julio Daio Borges




Digestivo nº 195 >>> A coluna social chamou de “noite erudita”, mas o fato é que não era mais. A Sala São Paulo esteve abarrotada durante três dias (foi aberto um terceiro, já que os dois primeiros não davam conta), para ver Nelson Freire e Martha Argerich “juntos” (a quatro mãos) ou “separados” (em dois pianos). O evento, que foi um verdadeiro “happening” dentro da Temporada 2004 do Mozarteum Brasileiro, mostra a força insuspeitada que o “documentário” de João Moreira Salles teve sobre as figuras de Nelson e de Martha. Pois, ela, sozinha, passaria por uma desconhecida pianista argentina (antes do filme); e ele, embora louvado em prosa & verso, pelos cadernos culturais, alcançou uma notoriedade incomparável, em termos pianísticos, depois da experiência em tela grande (basta comparar com o seu público em outras apresentações, em outros anos). E foi o contrário do que ambos, estrelas discretas de uma constelação fulgurante, apregoam: foi a força do “star system”, tão criticado por Nelson Freire, no agora DVD que leva seu nome, mas que pôde reunir dois dos maiores pianistas vivos, em alguns encontros memoráveis. Afinal, ele e João Moreira Salles conseguiram arrancar Martha Argerich da reclusão, embora antes não faltassem convites a essa mulher sempre tão requisitada... E Martha comandou a noite; e comandou Nelson – digam o que disserem. Como observou Daniel Piza, ela era “o lado forte”. Martha impôs o passo e a velocidade do compasso nas peças principais. Ela deu o tom logo de saída, em Brahms, levou-o por Rachmaninov afora, e encerrou com um Ravel bastante complicado. As sutilezas de Nelson, que parecia buscar espaços onde Martha não os ocupava, com pequenos ornamentos e floreios delicados, assumiram a batuta em Schubert e em Débussy (no bis). E, como notou Lauro Machado Coelho: pareceu um milagre que ambos, tão diferentes, tivessem combinado. Milagre maior, porque, nessa e em outras noites, a grande música (e não os horrores que temos inadvertidamente escutado) tomou conta da cidade, arrastando para a Sala uma pequena multidão. Mostrando, enfim, que é possível. E que a sensibilidade e a inteligência ainda têm lugar.
>>> Mozarteum Brasileiro
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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