Digestivo nº 315 >>>
Uma das constatações predominantes nas homenagens aos 80 anos do nascimento de Tom Jobim tem sido, justamente, a falta de novidades desde 1994, ano de sua morte. Jobim definiu uma espécie de cânone da música popular brasileira, desde a bossa nova, que, como os standards de jazz, às vezes funciona à maneira de uma camisa de força, paralisando a inventividade, a interpretação, e provocando apenas a repetição monotônica, de seu legado, como um mantra. Tanto é verdade que a primeira maior “novidade” em termos de interpretação do autor de “Tereza da Praia” acontece por obra e graça de João Gilberto (na contramão dos cantores de fossa); e a segunda mais marcante, em 1974, no álbum Elis & Tom (com a ajuda do próprio compositor). De lá pra cá – e de 1994 pra cá, ainda mais intensamente –, perpetua-se um karaoke de versões, iguais à primeira (João) ou à segunda (Elis), que nada ou pouco acrescentam ao cancioneiro jobiniano. Rosa Passos, para o nosso alívio, parece sinalizar com uma terceira vertente, esperamos, igualmente inovadora. Passos – que, apesar de baiana, circula alto, entre Ron Carter e Yo-Yo Ma – quer dedicar este seu ano ao Brasil e deu uma mostra do que isso significa, no final de janeiro, em São Paulo, no novo Teatro Fecap. Com um repertório entre os 25 anos da morte de Elis (19/1) e os 80 do Tom (25/1), Rosa Passos virou do avesso peças do “maestro e soberano” de Chico Buarque de Holanda. Descolando a melodia do ritmo, mais ainda que João Gilberto em “Águas de Março”, Passos tornou quase irreconhecíveis (por isso, não agradou todo mundo) “Só danço samba”, “Fotografia” e a própria “Águas de Março”, ao violão. Desfez também, de outros compositores, “Samurai” (Djavan), “Desenho de giz” (João Bosco e Abel Silva) e “Só Deus é quem sabe” (Guilherme Arantes). Rosa Passos é efetivamente estrela internacional, de repente tão desconhecida quanto longe de seus patrícios; mas, por causa da mesma distância (e do alcance que ela proporciona) talvez seja a única que possa, atualmente, recriar o Antônio Brasileiro. João Gilberto, via Embratel, e Elis Regina, via Maria Rita, aprovam.
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