Digestivo nº 368 >>>
Milton Hatoum está no auge. O leitor do presente talvez não saiba o que é isso. A literatura brasileira esteve no seu auge entre o fim do século XIX, início do século XX, com Machado de Assis e Euclides da Cunha; depois, em algum momento, entre os anos 30, a partir da Segunda Geração Modernista, passando pela Geração de 45, e os anos 60, com João Cabral e Guimarães Rosa (antes da invasão do audiovisual). E depois? Nunca mais? Sem uma resposta que não ofenda as gerações de 70, 80 e até 90, a literatura brasileira vive outro grande momento agora, com Milton Hatoum. Depois de ler Dois Irmãos (2000), Cinzas do Norte (2005) e, neste instante, Órfãos do Eldorado (2008) é impossível não situar a produção de Milton Hatoum na melhor tradição da literatura brasileira. Lemos Órfãos do Eldorado e temos a sensação, raríssima, de que a literatura brasileira fala, novamente, conosco. Repetindo: isso não acontece todos os anos; nem, às vezes, todas as décadas — mas só algumas vezes, a cada século... Órfãos do Eldorado faz parte da Coleção Mitos da Companhia das Letras, provando que é possível também produzir obras-primas sob encomenda. Milton Hatoum funde os mitos do Eldorado, do título, com o da Cidade Encantada, no seu cenário preferido, Manaus e a região amazônica. Condensando alguns elementos que aprendeu a dominar, Milton Hatoum escreveu suas Memórias do Subsolo, costurando uma história de sobrevivência, um grande amor, o poder, o lirismo, a poesia e a decadência. Através de uma linguagem que é sua marca registrada, dando voz a uma civilização renegada por nossos homens de letras, no Norte do Brasil. Num País sério, como diria Paulo Francis, Milton Hatoum mereceria honras de chefe de estado — e todo o nosso respeito devido ao grande escritor.
>>> Órfãos do Eldorado
Ler sobre Milton Hatoum foi um resgate ao ano de 2003, quando 56 alunos de um curso de Letras viveram momentos de febre literária, e só não comprou o "Relato de um Certo Oriente" quem não pôde. A nossa Mestre Jucimara, de Teoria Literária, nos ensinou a ver em Milton Hatoum um futuro Machado de Assis. E dizia com ênfase que ele já era um grande escritor. Todos os alunos elogiaram a escolha do livro para o Seminário, que foi um sucesso, pela obra em estudo. Parabéns ao artigo "Órfãos do Eldorado...".
Nossa, a recepção ao Milton Hatoum tem alcançado essas proporções? Que legal! Os quatro livros dele são, de fato, muito bons. Parecem, no entanto, um só livro, escrito e reescrito, variações sobre um mesmo tema, as conturbadas relações familiares. Nesse sentido, esse último, "Órfãos do Eldorado", é o mais conciso, mais breve mesmo, em que as situações narrativas são menos exploradas. Mas nem por isso ruim. Aliás, ostenta, em comparação com os outros três, grande virtude, já destacada pelo Daniel Piza em uma ótima sinopse: consegue tratar, em espaço exíguo, tanto de questões intimistas quanto da realidade política e social brasileira.
Foi muito bom saber, por esta nota, que um bom autor brasileiro está sendo lido, apreciado e discutido!