Digestivo nº 374 >>>
Tom Hanks personifica os Estados Unidos da América no cinema já há algumas décadas, então todo filme com ele é suspeito até prova em contrário. Jogos do Poder, no entanto, conta com o brilhantemente subversivo Philip Seymour Hoffman — o coadjuvante que é, há anos, melhor do que muitos atores principais — e, embora seja propaganda republicana subliminar, o longa é anárquico e irreverente em igual medida. Julia Roberts também dá as caras — como uma dondoca texana das mais bem informadas — e a direção é de Mike Nichols, o que garante alguma isenção (se é que ela é necessária), por ter feito o controvertido Closer e o ex-controvertido (hoje clássico) A Primeira Noite de um Homem. Jogos do Poder está, ainda, longe de ser unânime e essa é, talvez, a sua maior graça, numa época de eleições presidenciais norte-americanas, em que um dos temas mais espinhosos é justamente a Guerra do Iraque. Ao contrário do engajado Leões e Cordeiros, de Robert Redford (pró-democratas, para quem não percebeu), Jogos do Poder conta a história do financiamento dos mujahidin, no Afeganistão, pela CIA, que resultou na primeira derrota do Exército Vermelho, no fim da década de 80 (sugerindo, para muitos, que começou aí a derrocada do comunismo e da antiga União Soviética). Charles Wilson (Hanks), um congressista do Texas, faz a ponte entre a CIA, representada por Gust Avrakotos (Seymour Hoffman), e o governo dos EUA, elevando o orçamento da operação, gradativamente, de 5 milhões para 1 bilhão de dólares. Embora tenha sido condecorado no final, a história não acaba aí — porque, aliás, a História nos levou ao 11 de Setembro. Teriam aquelas armas caído nas mãos do Talibã e de Bin Laden? Wilson, ele mesmo, se arrepende e diz que vai levar isso até o túmulo. Os Estados Unidos não deviam ter abandonado o Afeganistão em ruínas? Nunca vamos saber. Por isso Jogos do Poder se torna, atualmente, interessante.
>>> Jogos do Poder
Interessante, Julio, tua abordagem do filme e em especial do caso do ator, que é coadjuvante e é melhor que os protagonistas. Um grande ator, a exemplo de qualquer artista de valor, mostra que uma premiação favorece os artistas menores e é favorecido com os maiores. Por um raciocínio inverso, mas de igual conclusão, se um prêmio não consagra um menor, seu prestígio aumenta e, se não premia um artífice de peso, seu prestígio cai. De modo geral, alguns homens são tão grandes que se amesquinham em aceitar uma distinção em concurso, seja ela qual for. Pelo menos nisto, os grandes e os pequenos se aproximam, pois ambos desprestigiam um prêmio em aceitá-lo. Para esticar ainda um tanto o raciocínio, podemos dizer que a grandeza de um homem é tão maior quanto se empalidecem os elogios a ele dirigidos. De modo que, como sugeriste em tua matéria, o talento se sobrepõe à ideologia que uma obra deseja passar, porque a verdadeira arte tem uma verdade que está acima das ideologias e da moral.