Digestivo nº 378 >>>
Lenine despontou como uma nova promessa da MPB, com Marcos Suzano, em Olho de Peixe (1993); ascendeu à mais alta hierarquia da música brasileira contemporânea, com Chico Buarque e Edu Lobo, no musical Cambaio (2001); e, de lá, despencou. Encenando um Lenine que, mais uma vez, tenta se reerguer, encontra-se o Grupo Corpo, neste momento em cartaz em São Paulo, com o espetáculo Breu, o trigésimo terceiro da companhia que nasceu, em 1975, em Belo Horizonte. Contrastando com 21, um balé de 1992, na linha mais alegre e colorida (brasileira) do Grupo, Breu (2007), com música do compositor pernambucano, contrapõe guitarras roqueiras ao minimalismo formal do ensemble mineiro Uakti, tensão e violência a delicadeza e detalhismo, individualismo e solidão a coletividade e integração. Embora tecnicamente Breu exija muito mais dos bailarinos, a crítica considerou que o novo balé causa tensão, em vez de promover, entre a platéia, emoção. Seqüências de choques, virtuosismo e tons monocromáticos sucedem a harmonia de conjunto, a suavidade e o patchwork de 21. Na sua época, Cambaio igualmente chocou por, num primeiro momento, evocar a aura melódica de um Circo Místico (1983), mas, na hora H, privilegiar a distorção, a cacofonia e o ruído. As peças de Chico Buarque e Edu Lobo se mostraram difíceis de reconhecer, em meio à pirotecnia do cenário, ao vozerio dos atores e à execução ensurdecedora das canções. Lenine, que inicialmente entrou consagrado no projeto, saiu chamuscado da experiência, enquanto Chico e Edu ofereceram declarações desencontradas e, num segundo momento, preferiram gravar suas próprias versões das músicas de Cambaio. Hoje, Rodrigo Pederneiras, o bailarino que assumiu as coreografias do Grupo Corpo desde 1981, confessa que saiu de seu elemento para trabalhar com a ajuda de Lenine — esperamos, contudo, que Breu não repita a triste história de Cambaio e que tudo não passe de uma má impressão (momentânea).
>>> Grupo Corpo no Teatro Alfa
Talvez o objetivo dos artistas envolvidos fosse este mesmo: causar um choque no público, criar uma tensao, mesmo que isto seja feito através da provocaçao de um "desconforto" no público. É justamente com este desconforto, provocado pela obra, que o artista tem uma oportunidade de capturar o cognitivo da pessoa e faze-la "pensar", coisa bem mais difícil de acontecer num espetáculo onde a estética do "belo" ou sua harmonia fossem parte do poder impregnante das imagens já pré-concebidas na platéia. Talvez até mesmo as declaraçoes desencontradas de Chico e Edu façam parte deste exercício.