Digestivo nº 395 >>>
No embalo do sucesso de Vicky Cristina Barcelona, a prefeitura do Rio de Janeiro quer convidar Woody Allen, para usar a cidade maravilhosa como cenário em um de seus longas, daqui a dois anos. Pode parecer factível, visto que o cineasta norte-americano tem a agenda livre para 2010, e que a prefeitura de Barcelona (junto com o governo da Catalunha) efetivamente injetara(m) 10% da verba do orçamento de Vicky Cristina, mas, artisticamente falando, não faz o menor sentido, porque — para começar — o Brasil não tem nenhum Pedro Almodóvar. Vicky Cristina Barcelona é, conforme a crítica apontou, um diálogo bem construído entre o universo nova-iorquino de Allen e o mundo espanhol de Almodóvar. Desde os atores, Javier "Carne Trêmula" Bardem e Penélope "Volver" Cruz até a tragédia que encontra a comédia, a aventura que encontra os excessos e a racionalidade que cede aos apelos da paixão. Scarlett "Cristina" Johansson — a musa sexy, já há três longas, do diretor (1 e 2) — faz, justamente, a ponte entre a existência altamente estruturada de sua amiga Vicky e ao caos existencial de Javier "Juan Antonio" Bardem e sua problemática musa, Penélope "María Elena" Cruz. O filme funciona porque o diálogo efetivamente acontece, entre as duas cinematografias — o que está longe de ocorrer entre Nova York e o Rio, em matéria de sétima arte contemporânea. A não ser que Woody Allen puxe por, sei lá, Carmen Miranda... Glauber Rocha — se vivo fosse — poderia se converter numa opção, mas não seus atuais colegas de Cinema Novo — que: ou já passaram da idade; ou se renderam aos apelos da televisão; ou, tout simplement, abandonaram o metier. O Rio de Janeiro não vai morrer se não tiver sua obra-prima nova-iorquina em película. Vicky Cristina parece naturalíssimo, mas só foi possível porque a Espanha, de alguma forma, "investiu" em cinema nas últimas décadas; o Brasil, nem tanto. Assisti-lo — e deleitar-se com ele — é menos risco, por enquanto.
>>> Vicky Cristina Barcelona
É um bom filme, no entanto. Realmente, é muito palpável essa coisa do encontro entre as cinematografias. Mas acho que o Rio já está eternizado na mente dos cinéfilos de qualquer forma. Bem ou mal. Não precisamos de alguém de fora para nos explicar o modus operandi do calçadão, das favelas, das praias, e dos outros clichês. Nós os respiramos, sem financiá-los, à custa dos nossos impostos.