Digestivo nº 404 >>>
A imagem que temos de Oswald de Andrade é a do bufão genial, co-autor do modernismo brasileiro (ao lado de Mário de Andrade), que se casou muitas vezes e que torrou sua fortuna como patrono das artes. Na nossa mitologia, Oswald foi um sucesso com Pau Brasil (1926) e o movimento antropofágico (1928), teve um romance com Tarsila, outro com Pagu, morreu pobre mas protagonizou uma trajetória invejável. Daria uma belíssima estátua — a que preferimos conservar, nas aulas de literatura e nas conversas sobre sua modernidade. Ocorre, porém, que Oswald viveu mais, muito mais do que uma posteridade, com legado irretocável, poderia suportar. E, nesse sentido, as entrevistas reunidas em Os Dentes do Dragão, de 1924 (na sequência da "Semana") a 1955 (uma semana antes de sua morte), são reveladoras. Descobrimos, por exemplo, que 1922 serviu como uma verdadeira sombra, tanto projetando-o no futuro, como vanguardista antenado (diríamos hoje), quanto deixando-o ultrapassado, em relação às gerações de "30" (do romance brasileiro) e "45" (da poesia brasileira), que não poderiam esperar, claro. Rebelde incorrigível, rompido com Mário, agarrou-se a causas perdidas, como Luís Carlos Prestes (com quem, igualmente, romperia), panoramas balzaquianos da sociedade brasileira (que deixou inconclusos) e polêmicas de ocasião (com os arrivistas do momento — todos esquecidos agora). Se Mário de Andrade morreu se sentindo incompreendido, poderíamos concluir que o modernismo brasileiro não foi efetivamente generoso, rendendo minguados dividendos para seus artífices (ao menos em vida). Os Dentes do Dragão descortina, portanto, uma realidade incômoda, que não combina com os nossos livros didáticos.
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