Digestivo nº 440 >>>
Se for lido pelas pessoas certas, o novo livro de Ricardo Alexandre, Nem vem que não tem, pode ser o complemento que faltava para promover um verdadeiro revival de Wilson Simonal - a exemplo do que Chega de Saudade, de Ruy Castro, fez pela bossa nova há quase 20 anos. Mais do que o gosto pela música brasileira, que retornou nos anos 90 (depois do rock BR dos anos 80), mais que a redescoberta de Tim Maia e Jorge Ben (fora o Noites Tropicais, de Nelson Motta), mais que a geração lançada pela gravadora Trama, que foi responsável pela estreia de Max de Castro e Wilson Simoninha (os filhos do cantor), e mais até que o bem-sucedido documentário de Claudio Manoel, Ninguém sabe o duro que dei, a biografia de Ricardo Alexandre faz justiça à trajetória do maior intérprete do Brasil, recuperando sua importância na história da música brasileira, através de fatos, e explicando, o mais definitivamente possível, todo o imbroglio, com o Dops e a "esquerda festiva", que conduziu Simonal ao ostracismo e à impressionante morte ainda em vida. Desde o showman que rivalizava com Roberto Carlos em popularidade nos anos 60 até o virtuose que só se comparava a Elis Regina, em termos de recursos vocais, tudo está presente no livro de Ricardo Alexandre. Uma reconstituição disco a disco, do sucesso ao fracasso, combinando sua tumultuada vida pessoal, suas infidelidades, suas crises de alcoolismo, até o sofrimento imposto à mulher e aos filhos. Desde o garoto-propaganda que assinou os maiores contratos da história da publicidade brasileira até o performer que dividiu o palco com Sarah Vaughan, recebeu elogios de Quincy Jones, foi amigo de Pelé e teve o privilégio de erguer a taça Jules Rimet, ao lado da seleção de 70 - nada escapa ao autor de Nem vem que não tem... Simonal imperou no Brasil através de seu canto, sua presença de palco e sua intuição de malandro carioca, mas se deixou inebriar pelo sucesso, corrompeu-se pela ilusão do poder e resolveu "peitar" até as Organizações Globo (comercialmente) e a hegemonia da nossa "intelligentsia" de esquerda (ideologicamente) - foi expelido pelo sistema, foi execrado pela intelectualidade, teve desestruturada sua vida, teve destruído seu trabalho, afogou as mágoas no álcool e morreu em consequência de tudo isso, com pouco mais de 60 anos, em 2000. Se não conseguir, finalmente, ressuscitar Simonal das cinzas do oblívio, Nem vem que não tem é - pelo menos - o must read deste fim de ano.
>>> Nem vem que não tem: A Vida e o Veneno de Wilson Simonal