Digestivo nº 462 >>>
Freud morreu em 1939. No ano passado, portanto, toda sua obra caiu em domínio público. No Brasil, a principal edição de seus trabalhos era a chamada "standard", com uma tradução, no mínimo, desatualizada. A Companhia das Letras soube preencher esse vazio, agora, com a reedição das obras completas de Freud em tradução nova. O responsável, pela empreitada, é Paulo César de Souza, igualmente tradutor das obras de Nietzsche pela Companhia. (Inclusive das versões de bolso, que se tornaram onipresentes nas livrarias.) A importância das ideias de Freud, para o século XX, é inquestionável. Isso não significa, contudo, que, como autor, ele seja "acessível". Os três primeiros volumes da coleção nova, cronologicamente, não correspondem aos primeiros escritos de Freud. O que talvez crie a sensação, no leitor, de — como se diz na gíria — "pegar o bonde andando". "Além do Princípio do Prazer" (no volume de cor verde), por exemplo, é um texto de 1920, quando A Interpretação dos Sonhos, a obra inaugural da psicanálise, é de 1900. Ou seja, duas décadas separam um texto fundador de outro, exigindo, do leitor brasileiro, um conhecimento mínimo dos conceitos psicanalíticos. "Introdução ao Narcisismo" (no volume de cor vermelha) está um pouco mais próximo das "definições" (é de 1914), mas, mesmo assim, soa árido para leitores desacostumados. O volume azul, com nenhum título muito conhecido, talvez deva ser escolhido primeiro, afinal "Princípios Básicos da Psicanálise" está nele, e resume bem as principais conquistas até 1913 (em menos de dez páginas). A exemplo da diferença entre textos "exotéricos" e "esotéricos" na Grécia antiga, Freud não parecia muito preocupado com o público leigo e escrevia para médicos iniciados. As belas edições da Companhia das Letras, naturalmente, não devem ser culpadas por isso. Mas talvez esta tradução acrescente uma nova dificuldade. "Ego" cedeu lugar a "Eu" (com "e" maiúsculo); "recalque" virou "repressão"; e "pulsão", agora, é "instinto" (entre outras mudanças). Algo que, inicialmente, pode facilitar a compreensão das novas gerações, mas que, certamente, vai irritar quem praticamente se formou com expressões como "ego, id e super-ego" (agora, "Eu, id e Super-Eu"?). Freud, com a convivência, torna-se menos difícil do que parece a princípio, contudo inovações no vocabulário nem sempre são bem-vindas, ainda mais depois de uma reforma ortográfica.
>>> O Caso Schreber
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A diferença entre Domínio Público e domínio DO público é uma discussão que tem dado pano para mangas em vários tribunais do mundo. Se uma obra passa a pertencer ao ESTADO, após 70 anos da morte do Autor, sem haver herdeiros ou sucessores reclamantes, caberá ao país de origem do autor preservar e zelar pela sua obra. Portanto, é Domínio Público (do Estado) e não DO público. Sim, é lei internacional aceita em vários países, e toda LEI pode ser contestada, debatida em Tribunais, é um direito. E este direito já foi jurisprudência em favor do Estado, pois não é o povo o verdadeiro mantenedor da obra. Segundo a própria lei, foi a decisão naquela instância. Opiniões vêm e vão. As leis também.
Julio, acho que você está equivocado quando diz: "A exemplo da diferença entre textos 'exotéricos' e 'esotéricos' na Grécia antiga, Freud não parecia muito preocupado com o público leigo e escrevia para médicos iniciados". Pelo contrário, Freud ganhou inclusive um prêmio de literatura pela qualidade de sua escrita que na grande maioria dos textos apresenta a teoria psicanalítica de maneira clara para qualquer leitor. Um abraço!