Digestivo nº 471 >>>
Apesar dos BRICs, em países emergentes como o Brasil, alguns jovens se lançam na chamada "vida intelectual" sem compreender, muito bem, o que isso significa — e, sobretudo, no que isso implica. Vida intelectual, para muita gente no Brasil, não é vida — pois não existe "carreira intelectual" constituída. Os românticos, como Álvares de Azevedo, prestavam Direito; os realistas, como Machado de Assis, seguiam para o serviço público. Outros, como Guimarães Rosa e João Cabral de Melo Neto, seguiam carreira diplomática. A vida intelectual, mesmo, ficava restrita às horas livres. Ninguém se preparava, formalmente, para isso — porque, a rigor, a "vida intelectual" não existia. Ocorre, porém, que a prática intelectual — embora a sociedade brasileira não reconheça isso — não se dá no vácuo. Exige preparação. E dá trabalho... Talvez pensando nisso, a É Realizações, em sua coleção Educação Clássica, lançou, justamente, A Vida Intelectual, de A.-D. Sertillanges, filósofo e teólogo francês do século passado. Neotomista, Sertillanges se inspirou numa carta de Santo Tomás a um certo frei João, onde o pensador enumera "Dezesseis Preceitos para adquirir o Tesouro da Ciência". No primeiro capítulo, "A Vocação Intelectual", Sertillanges, por exemplo, afirma que "o intelectual é um consagrado" e que "o intelectual pertence a seu tempo". Há, claro, influência da religião, como no capítulo "As Virtudes de um Intelectual Cristão" — mas nada que atrapalhe a fruição da obra. Alguns capítulos como "A Organização da Vida" podem soar até ofensivos a nós, mas seus conselhos seguem valendo: "Simplifique", "Conserve a Solidão", "Mantenha a dose necessária de Ação". Em "A Preparação do Trabalho", no subcapítulo "A Leitura", é surpreendente encontrar um conselho como "Leia pouco". Também: "Escolha". E inevitavelmente: "Do contato com os Gênios". Sertillanges ainda ensina a "organizar a memória" e até a "fazer anotações". Se didático por um lado, A Vida Intelectual é exigente por outro: "Uma vocação não se satisfaz de modo algum com leituras soltas e trabalhinhos esparsos". Ainda: "A verdade só está a serviço de seus escravos". E evocando a frase clássica: "O gênio é uma longa paciência". Contrariando a urgência em publicar (até dos blogs): "Quero que sejas lento para falar e lento para dirigir-te ao parlatório" (novamente, Santo Tomás). E prevendo até as "redes" e "mídias sociais": "Não sejas familiar demais com ninguém, pois familiaridade demais gera desprezo e dá ensejo a muitas distrações" (sempre Santo Tomás). A coleção Educação Clássica lança, no mesmo formato, os volumes: Introdução às Artes do Belo, O Trivium — As artes liberais da lógica, gramática e retórica e Como Ler Livros (entre outros). Se alguém lembrou de autoajuda, seguramente podemos afirmar que a "autoajuda" nunca esteve tão bem aparelhada.
>>> A Vida Intelectual
A influência do cristianismo presente nos textos - para quem, como eu, deixou ainda em vida de ser primeiro ateu e em seguida agnóstico (outros adiam tais mudanças para o pós-morte) - antes de ser algo que possa atrapalhar a fruição da obra, ou algo que está lá apenas como detalhe curioso, na verdade, apresenta-se como um upgrade na mesma. Ou, como dizem esses chatos da economia, "agrega valor". B^) Legal você ter comentado sobre esse livro. Abraço!