Digestivo nº 472 >>>
Quem conhece Bertrand Russell, certamente o conhece mais por sua História da Filosofia Ocidental, por suas opiniões sobre assuntos como cristianismo e até casamento. Já quem conhece Ludwig Wittgenstein, certamente conhece Russel por este ter sido professor do primeiro em Cambridge, no início do século XX. Sendo Wittgenstein um dos maiores filósofos dos 1900s e Russell, um dos maiores lógicos, uma história com ambos dificilmente conseguiria ser desinteressante. E uma história em quadrinhos? Quadrinhos "adultos", ou quadrinhos pretensamente adultos, foram uma obsessão no final do século XX, quando se tentava aproximar as HQs da literatura, das artes gráficas e do chamado "mundo adulto". Quadrinhos como games ou blogs são o que são — e é perda te tempo desejar que sejam "outra coisa" (além do que são). Logicomix (WMF Martins Fontes, 2010) — se serve de consolo para leitores "não versados" em quadrinhos (e que precisam de bom um motivo para se arriscar na leitura) — tem sido considerada uma das melhores HQs de todos os tempos. E é, surpreendentemente, uma grande homenagem a Bertrand Russell, a seus empreendimentos no reino da lógica e da matemática (e, naturalmente, a seus "sucessores" como Wittgenstein). Largamente baseada na autobiografia de Russell e em outras biografias, como as de Ray Monk, a história de Logicomix é a da busca por bases mais sólidas para o pensamento, para a ciência e para o conhecimento humano. Quem já teve algum contato com Russell, não pode imaginar que o final de Logicomix não seja feliz, sendo o início tão auspicioso, com a ascensão de um jovem brilhante, filho da melhor elite da Inglaterra, desconcertando os maiores pensadores da Europa, e, justamente, abrindo caminho para nomes como Wittgenstein e Kurt Gödel... Ocorre que Russell revelou uma falha na lógica que, em anos de elaboração de seus Principia Mathematica, com Alfred Withehead, não conseguiu contornar. Perdeu os pais muito cedo, foi infeliz no casamento e teve um filho esquizofrênico. Para completar, sua incompreensão do Tractatus, de Wittgenstein, a princípio, transformou-o num desafeto de seu, outrora, pupilo... Contudo, se a história de Logicomix é a de uma vida humana com todas suas frustrações, é, também, a história de como a matemática e a lógica nos trouxeram a computação, os computadores... e a internet! O que Bertrand Russell, que morreu em1970, teria achado da Web? (É certo que Wittgenstein não perderia seu tempo com ela...) Nesse cenário, participam, de Logicomix, ninguém menos que Von Neumann, que defendia Russell dos ataques de Wittgenstein, e, claro, Alan Turing. O sonho do primado da razão pode não ter se concretizado, mas vivemos sob o domínio da computação ;-) Russell, Wittgenstein, Gödel e tantos outros, perderam a batalha... mas venceram a guerra?
>>> Logicomix
Esse gibi é muito bom. Não é exatamente o mesmo que ler a demonstração do Gõdel e estudar a filosofia do Wittgenstein... mas chega próximo do "Gõdel Escher Bach". Explica bem a relação entre o caminho da filosofia e da matemática - nem todos os filósofos e matemáticos fazem a ponte tão bem. Ainda é um bom exemplo da arte dos quadrinhos.