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Quarta-feira,
8/12/2010
Beatles por André Mehmari, na série MPBaby
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 474 >>>
André Mehmari é muito provavelmente o maior pianista da sua geração. Atravessando, como ninguém, as barreiras entre o erudito e o popular. Não apenas "da boca pra fora", mas como alguém que conhece, verdadeiramente, os dois universos. Porque a maioria dos "músicos" que prega essa transposição, mal estudou música, não consegue analisar uma partitura e possivelmente considera que a História da Música é só a das últimas décadas. André Mehmari conta que passou seus anos, na Música da USP, indo diariamente à biblioteca e pegando três ou quatro partituras. Assim, estudou, por exemplo, toda a obra de Stravinski. Agora, se alguém perguntar sobre Stravinski, para os nossos jovens "músicos", a maioria vai responder que se trata de um violino. A formação de Mehmari — que talvez não seja a da ECA (e, sim, a da biblioteca da ECA) — transparece em todos os trabalhos que faz. Sua erudição não é forçada, nem adquirida há pouco, é natural, sedimentada, orgânica. De modo que a sofisticação de sua bagagem está praticamente em tudo, independente de ser uma composição sinfônica — para ser executada na Sala São Paulo — ou de ser uma canção da nossa MPB, para ser arranjada em formato "piano e voz". Essa habilidade, evidentemente, se destaca, também, neste CD, em que, a princípio, adapta canções dos Beatles para o universo infantil. E a vantagem de Mehmari é, justamente, não ter sido forjado na vala comum do pop. A ponto de suas recriações serem as mais originais em cima do repertório dos Beatles há muito. Já nos primeiros acordes de "Hello, Goodbye" (a primeira faixa), no andamento que Mehmari imprime à canção, sente-se que "vem coisa boa". Em "Norwegian Wood" (a segunda), Mehmari acentua o tempero jazzy e parece evocar a "Take Five" de Dave Brubeck (por incrível que pareça). Sua desmontagem prossegue, até que em "Across the Universe" (a quarta) fica sugerido um parentesco com a desconstrução de Brad Mehldau (seu contemporâneo mais próximo nos EUA). Se o jazz e o "jazz contemporâneo" pareciam fáceis até agora, Mehmari então funde — como, aliás, já havia feito — a "Sonata ao Luar", de Beethoven, com "Because". E, em "Ob-La-Di, Ob-La-Da", encantadoramente, funde Beatles com Mozart. "Penny Lane" vira quase um samba de Caymmi ou Ary Barroso. "Yellow Submarine" vira uma marcha infantil e, se Mehmari quisesse, viraria até uma marchinha de carnaval. "Blackbird" parece arranjada mais à direita (na seção mais aguda do piano); e "Get Back", mais à esquerda (na seção grave). "Eleanor Rigby" e "Something", lembrando suas letras melancólicas, ganham nova densidade. John Lennon, aliás, se ouvisse, acusaria Mehmari de atribuir propriedades metafísicas às composições de Harrison e McCartney... Ainda completam a experiência: "The Fool on the Hill", "Here Comes the Sun" e "Let It Be". Esta edição do MPBaby, olhando bem, não parece "para crianças". Talvez não seja integralmente compreendida nem por simples fãs. É o efeito que André Mehmari provoca nos repertórios que, de repente, abraça. Renovando, até, o que parecia engessado pelo costume.
>>> Beatles por André Mehmari
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Julio Daio Borges
Editor
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