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Quarta-feira,
6/4/2011
Mecanismos Internos: Ensaios sobre Literatura, de J.M. Coetzee
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 478 >>>
Coetzee deixou um rastro de antipatia, quando, convidado da Flip, subiu no púlpito e leu trechos de seu futuro livro, recusando-se a ser interpelado e a responder perguntas. Sem quase tradição nas chamadas "leituras públicas", a audiência em Paraty — que esperava alguma impressão sobre o Brasil, piadinhas para entreter e passar o tempo, e alguma frase de efeito para guardar no bolso — abandonou o auditório cabisbaixa, maldizendo o Nobel e prometendo vingança. Na verdade — para quem leu —, o estilo seco, econômico e sem concessões era o mesmo da prosa de Coetzee. Sua secura chega a ser cortante, sua seriedade chega a ser tragicômica e sua postura de indiferença não combina com o "estar-no-mundo" — ainda mais tropeçando nas famosas "ruas sem calçamento" de Paraty... (Ao contrário de Hitchens e Rushdie, Coetzee não "tomou um fogo" no Rio de Janeiro, e tamanho estoicismo impressionou os circunstantes.) Mecanismos Internos, contudo, para quem aprecia o escritor, é um grande chance de conhecer suas preferências e suas leituras. O "Robert Walser", de Coetzee, não consegue se ombrear com o de W.G. Sebald (na Serrote nº 5), mas seu "Walter Benjamin" é revelador do comunismo de última hora do autor de Passagens. Coetzee, aliás, desconstrói Sebald, em ensaio homônimo, e Sándor Márai, que experimenta algum renascimento (até a nossa presidente — quando candidata — havia sugerido que o lera). Coetzee revela uma admiração imensa por Beckett ("um dos grandes estilistas em prosa do século XX") e quase escarnece do homossexualismo de Whitman (com Wilde até trocou um "selinho", provoca o Nobel). Desconstrói, ainda, Faulkner, ou sua vida privada, e eleva novamente Saul Bellow, que vem sendo cada vez mais incensado desde sua morte (2005). Não são de interesse os ensaios sobre contemporâneos como Philip Roth (Coetzee escolhe o pretensioso Complô contra a América) e García Márquez (Putas Tristes é quase um último suspiro...). No balanço final, por mais que se discorde das preferências de Coetzee, é admirável que um Prêmio Nobel se dedique ao ensaísmo com essa disposição. Basta comparar com os autores nacionais, que mal conseguem preencher o rodapé literário de nossos combalidos jornais... A maioria dos ensaios foi publicada na New York Review of Books. (A nossa Serrote, aliás, quer lançar um concurso de ensaios. Sem um Coetzee tropical, rogamos para que as vagas não sejam preenchidas por "escritores" como Chalita, Coelho e Jabor.)
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Julio Daio Borges
Editor
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