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Quarta-feira,
7/9/2011
Hitler e os Alemães, de Eric Voegelin, pela É Realizações
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 482 >>>
Paulo Francis dizia que, enquanto Hitler for considerado um monstro ― desumano ―, ficamos sem compreender o que realmente houve naquela primeira metade do século XX. E, portanto, estamos condenados a repetir tragicamente a História. A relançada biografia de Ian Kershaw, em volume único, é muito valiosa ao descrever os fatos entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, mas falha, justamente, no ponto em que critica previamente Hitler, julgando o biografado antes mesmo de este se converter no tão famigerado "monstro". Trazendo mais luz a esse aspecto da "humanidade" de Hitler ― por mais contraditória e repulsiva que ela seja ―, está a obra de Eric Voegelin, filósofo de Colônia, especializado em ciência política. Hitler e os Alemães (É Realizações, 2008) procura compreender o fenômeno mais do que o homem, o mesmo que tomou conta da Alemanha e, catastroficamente, da Europa. Para que se tenha uma ideia da ousadia da interpretação de Voegelin, o livro invoca, logo nos primeiros capítulos, uma carta de Gerhard Hess, um jovem cidadão alemão, à Der Spiegel (em 1964): "O crime de Hitler foi o de ter sido um jogador que perdeu, e que levou consigo todo um povo, de maneira que este afundou junto com ele". Mais adiante, sob o mesmo tema do "monstro", Voegelin invoca Percy Ernst Schramm, professor de História medieval e moderna: "Se Hitler for entendido como um 'acidente', como uma personalidade demoníaca e excepcional, ele nos tira toda a responsabilidade, e podemos depositar nele toda a culpa". Não, Hitler não era tampouco um idiota, ratifica Voegelin (aliás, pelo contrário): "Hitler tinha uma inteligência eminente, através da qual era capaz de enganar muitas pessoas". E invocando Rudolf Augstein, editor da Der Spiegel nos mesmos anos 60, complementa: "O fato de Hitler ter sido uma figura mais do que indesejável não deveria nos levar a desprezar o fato de ele ter sido bem sucedido". Voegelin, num dado momento, reconhece apreensivo: "O que é embaraçoso nesse ponto é que Hitler aparece como um grande político, um político brilhante, e que, no entanto, não tem outras qualidades". Mais adiante, conclui: "Quem quer que tenha o poder de sacudir o mundo, e Hitler tinha, não é desprezível". Apesar de que: "Hitler chegou a uma façanha eminente na História do mundo: pelo sucesso de seus atos desprezíveis, ele provou, sem ambiguidade, o lado desprezível do mundo em que obteve tamanho sucesso". Afinal: "O que sempre esteve em jogo não foram os horrores [da Segunda Guerra Mundial], mas os homens que cooperaram com tais horrores e sua estrutura espiritual, que até hoje não mudou muito". E quem não se lembra do paradoxo por meio do qual eram "inocentados" todos os criminosos do nazismo? "O assassino, que cometeu fisicamente o assassinato, age sob ordens; aquele que dá as ordens, fisicamente, não cometeu nenhum assassinato. Assim, tudo dá em nada. Ou seja: todos são inocentes", pontifica Voegelin. A raiz do problema estaria na definição de George Santayana, filósofo americano: "Democracia é o sonho irrealizável de uma sociedade de plebeus patrícios". Como nossas sociedades não são apenas de patrícios, mas de uma imensa maioria de plebeus ― aponta Voegelin ―, estamos perdidos: "Aí se tem a mesma tragédia do caráter alemão: Quando essa ralé abjeta chega ao poder, terminou a cultura. Nesse ponto, só é possível curvar-se ou ir embora". Por fim, uma frase muito bem escolhida de George Bernard Shaw (que, além de servir à "revolução" do Nacional Socialismo com uma luva, evoca os nossos salvadores da pátria e outrora depositários da "ética" na política): "As revoluções nunca diminuíram o fardo da tirania: elas apenas o transferiram para outros ombros".
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Julio Daio Borges
Editor
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