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Quarta-feira,
20/3/2013
Cartas a um Jovem Poeta, de Rainer Maria Rilke
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 489 >>>
Cartas a um Jovem Poeta é, muito provavelmente, um dos maiores hits literários do nosso tempo. Uma ideia tão simples. E que foi replicada à exaustão. Mas Cartas a um Jovem Poeta, o livro, não foi concebido do mesmo jeito que a repetitiva sequência de Cartas a um Jovem... (pense numa profissão qualquer). Rilke não planejou o livro. Ele, simplesmente, "aconteceu", depois da morte do próprio Rilke. Porque Franz Xaver Kappus, o destinatário das cartas, achou por bem coligi-las. Rilke, portanto, não "imaginou" um "jovem poeta". O título, inclusive, não deve ter sido uma ideia nem de Kappus. Aconteceu de Kappus enviar seus versos a Rilke. E aconteceu de Rilke decidir aconselhá-lo. Não se conheciam. As missivas não tem, nem de longe, a pretensão de Cartas sobre a Educação Estética do Homem, de ― outro exemplo ― Schiller. Mais do que dar "conselhos" sobre a arte poetica em si, Rilke fala sobre a vida. Principalmente, sobre a vida de artista. Uma vida, aliás, que não é nenhum mar de rosas. Logo, Cartas a um Jovem Poeta, ao contrário de suas imitações, não é: nem um "manual", orientado a quem deseje "se tornar" poeta; nem sequer um estímulo para uma carreira "em poesia". Até porque essa "carreira" não existe. Como não existe "carreira de artista". O livro é breve. Mas os apressadinhos de plantão devem se concentrar na primeira carta. É onde se encontra o trecho clássico: "Confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever?" Os comentários a essa pergunta são quase tão variados quanto as respostas à tradicional pergunta "por que escrevo?". Uma pergunta que, a bem da verdade, não faz sentido. Antes disso, Rilke desacredita o próprio ato de dar um alvitre: "Ninguém pode aconselhar ou ajudar ― ninguém". E quase no fim da primeira missiva: "Aceite o destino [se chamado a ser artista] e carregue-o com seu peso e sua grandeza, sem nunca se preocupar com a recompensa que possa vir de fora. O criador, com efeito, deve ser um mundo para si mesmo e encontrar tudo em si e nessa natureza a que se aliou". A tradução, da Globo Livros, é de Paulo Rónai e Cecília Meireles. Continua Rilke (numa outra missiva): "Ser artista não significa calcular e contar, mas sim amadurecer como a árvore que não apressa a sua seiva e enfrenta tranqüila as tempestades da primavera, sem medo de que depois dela não venha nenhum verão. O verão há de vir. Mas virá só para os pacientes, que aguardam num grande silêncio intrépido, como se diante deles estivesse a eternidade. Aprendo-o diariamente, no meio de dores a que sou agradecido: a paciência é tudo". Rilke nunca facilita: "Sinto que nenhum homem pode responder às perguntas e aos sentimentos que têm vida própria no âmago de seu ser. Mesmo os melhores se enganam no uso das palavras quando estas têm de significar o que há de mais discreto, de quase indizível". E Rilke não se esquece da ars amatoria: "O amor de duas criaturas humanas talvez seja a tarefa mais difícil que nos foi imposta, a maior e última prova, a obra para a qual todas as outras são apenas uma preparação". Concluindo, mais adiante: "Somente quem está preparado para tudo, quem não exclui nada, nem mesmo o mais enigmático, poderá viver sua relação com outrem como algo de vivo e ir até o fundo de sua própria existência". E para os ansiosos, de novo: "Não tire conclusões demasiadamente apressadas do que lhe acontece; deixe as coisas acontecerem". E repetindo: "Deixe a vida acontecer. Acredite-me: a vida tem razão em todos os casos". Cartas a um Jovem Poeta, como se vê, é muito mais que um "introdução" a poetastros e "letristas" ― é um repositório, involuntário, de sabedoria. As Cartas de Rilke servem tanto a poetas, quanto a artistas, quanto a seres humanos dos mais variados ofícios. Se os autores das subseqüentes "Cartas" ― que há no mercado às pencas ― lessem originalmente Rilke, desistiriam do projeto, e não diluiriam o único livro que interessa ler: justamente, as Cartas a um Jovem Poeta, de Rainer Maria Rilke.
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Julio Daio Borges
Editor
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