DIGESTIVOS
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Segunda-feira,
16/9/2013
Cartas Pônticas, de Ovídio
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 494 >>>
Ovídio, o mais versátil entre os poetas romanos, segundo a professora Zélia de Almeida Cardoso, foi exilado e não se sabe, até hoje, o motivo exato. Por determinação do próprio imperador Augusto, Ovídio teve de abandonar tudo em Roma e nunca mais pôde regressar. Cartas Pônticas são o testemunho, pungente, de seus anos de desterro, e do seu esforço, inútil, em voltar para casa. O volume de cartas de pouco mais de 150 páginas é lido arduamente, pois é triste o destino de quem foi condenado e para quem não resta chance de perdão. Ovídio, um gigante da literatura clássica romana, autor das Metamorfoses, contemporâneo de Virgílio e de Horácio, de repente se vê abandonado por seus conterrâneos. Endereça suas preces sobretudo aos poderosos, e aos influentes, de Roma, que poderiam interceder em seu favor. Mas a maior parte de suas cartas fica sem resposta... Qual seria a desgraça tão grande que o teria jogado nessa situação sem remédio? Peter Green, na longa e saborosa introdução à Arte de Amar ― um estudioso de Ovídio a vida toda ―, conclui que o poeta teria sabido de alguma intriga palaciana, contra o imperador, e não teria feito nada para evitar o pior. Ovídio estaria a par, segundo Green, de um verdadeiro atentado a Augusto e não teria se manifestado, donde a desconfiança de que tomaria parte... Nas Cartas Pônticas, não são poucas as vezes em que o poeta agradece por sua vida ter sido poupada. E como crimes de alta traição geralmente são punidos com a penal capital... Ao mesmo tempo, fica-se com a impressão, em outros trechos, de que a morte teria sido uma saída mais honrosa. Ovídio, avançado em anos (no que chamaríamos de "terceira idade"), é exilado num dos limites extremos do império. Numa faixa de guerra, entre bárbaros, onde sua poesia não lhe servia de nada e onde jamais iriam respeitá-lo por sua arte. Longe do conforto de Roma, em condições extremas e padecendo de males variados, o poeta grita por socorro, no dizer de hoje ― mas seu esforço... é vão. A grande recompensa, para quem lê, é que, mesmo na pior situação, a prosa de Ovídio brilha, e até rende poesia, apesar de seu caráter triste. Desiludido com aqueles que o bajulavam em seus dias de glória, por exemplo, escreve: "Arrebate-se a um espírito ávido a esperança de ganho e não se encontrará mais nenhum virtuoso". Sobre os "amigos" de outrora, registra: "A amizade, nume venerável em outros tempos, prostitui-se e, qual meretriz, se rende a quem a compra". Concluindo até sobre o amor: "Ninguém é amado a não ser aquele a quem a Fortuna é favorável". E descrente sobre uma mudança em sua sorte, reforça: "Quem sofreu um naufrágio também se horroriza com as águas tranquilas". Resumindo tudo assim: "(...)eu, traspassado pelos cruéis dardos da adversidade, não concebo senão melancolia em meu coração". E resignando-se: "A minha dor já chegou a converter-se num hábito"... A saudade dos amigos é, por vezes, transbordante: "Quando lembrares esses momentos, embora eu esteja ausente, estarei sempre diante de seus olhos, como se me acabasses de ver". E não são todos, absolutamente todos, que lhe voltam as costas: "Ainda quando alguns titubeiam e abandonam minhas sacudidas velas, tu permaneces como a única âncora de minha destroçada nave"... Ovídio, para a nossa surpresa, continua produzindo, e guarda esperanças, como poeta: "Eu, na verdade, que pereci para ti há muito tempo, esforço-me por não estar morto em meu talento". Mesmo tendo ciência de que "quase sempre as obras costumam aprazer após a morte de seu autor, porque a inveja costuma prejudicar os vivos e atacá-los com dente injusto"... E, como se falasse ao próprio Augusto, produz, involuntariamente, uma das mais belas justificativas da arte poética: "Nada há tão digno dos príncipes como a homenagem prestada através dos versos dos poetas. Os versos atuam como arautos de vossas glórias e impedem que a fama de vossos feitos seja passageira. Com a poesia, a virtude se torna duradoura e, livre do sepulcro, conserva o recordo da remota posteridade. A idade destruidora rói o ferro e a pedra e nada tem mais força que o tempo. Os escritos suportam os anos(...) É mais belo fornecer matéria aos poemas que compô-los, no entanto tu não podes abandonar inteiramente a poesia". A verdade é que mesmo abandonado por tudo e por todos, a poesia nunca abandonou Ovídio. E, mesmo quando ele sofre, nos deleitamos lendo-o.
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Julio Daio Borges
Editor
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