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Segunda-feira,
17/3/2014
O assassinato e outras histórias, de Anton Tchekhov
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 498 >>>
Como gênero, o conto se espraiou durante o século XX. Com a eterna desculpa da falta de tempo, leitores se acomodaram na brevidade do texto curto, e até escritores mascararam seu menor fôlego em produções de algumas páginas. Mas o conto é um gênero difícil. E poucos mestres dominaram as short stories, como se diz. Na primeira metade do século XIX, Poe tem um lugar incontestável. Mas, na segunda metade, esse lugar é de Tchekhov. Inflenciado por Flaubert e produzindo um recorte quase jornalístico ― nem sempre o jornalismo esteve tão mal como hoje ―, Tchekhov definia a missão do escritor assim: "Nós escrevemos a vida tal como ela é, e não damos nem mais um pio". (Quem sabe, Nélson Rodrigues, um fã dos russos, não tenha retirado daí o título da coluna onde abrigava um adultério por dia?) No Brasil, Tchekhov ficou mais conhecido pelas traduções de Boris Schnaiderman, saudado por ninguém menos que Otto Maria Carpeaux, atualmente pela editora 34. Mas, desde 2003, a última fase de Tchekhov mereceu tradução de Rubens Figueiredo, pela Cosac Naify. Contrastando com a vivacidade de A dama do cachorrinho (1999) e de O beijo e outras histórias (2006), O assassinato e outras histórias é um volume recheado de novelas e contos sombrios. O texto mais impressionante talvez seja "No fundo do barranco", sobre uma família de comerciantes marcada pela avareza, degraçada por um crime financeiro e alijada por uma morte prematura, e bárbara. Não por acaso, fecha, apoteoticamente, o volume. Em segundo lugar em termos de brilho, a história-título, que aborda messianismo, loucura, e mais um crime em família. A pobreza é um tema recorrente. Com quem Tchekhov conviveu na intimidade. E a pobreza reina absoluta no conto "Os mujiques", onde um homem doente e incapacitado para o trabalho, em Moscou, retorna para o seio da família, paupérrima, no interior. Um retrato implacável da Rússia pós-servidão, que Tolstói criticou, pois via nos mujiques ― e na pobreza ― uma esperança de redenção. "Iônitch" é a história de um médico que chega na província, e que, muitos anos depois, se desilude com a mesma, a ponto de se perguntar "qual poderia ser o destino daquele lugar", uma vez que "as pessoas mais talentosas da cidade eram tão medíocres". "O professor de letras", apesar de se concentrar num personagem apagado, tira conclusões igualmente fortes: "Onde vim parar, meu Deus? Estou cercado de vulgaridade por todos os lados". Trata de um idealista, que casa por amor, mas que percebe o desinteresse de seus alunos pela educação e a monotonia da vida em família. "Em serviço" completa o volume. Mais uma "apresentação" de Rubens Figueiredo e, nas últimas páginas, cartas do autor para seu editor. Médico, Tchekhov santificava, em suas próprias palavras, "o corpo humano, a saúde, a inteligência", e "o talento". Mas, como seus personagens, era fatalista e não tinha grandes ilusões com a escrita: "Escrevemos mecanicamente, apenas para cumprir uma ordem, estabelecida há muito tempo, segundo a qual uns entram no exército, outros são comerciantes e outros escrevem". E Tchekhov cumpriu seu destino. Com tanta perfeição que, mais de um século após sua morte, é praticamente impossível compará-lo a alguém.
>>> O assassinato e outras histórias
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Julio Daio Borges
Editor
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