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Segunda-feira,
21/7/2014
Fernando Pessoa, o Livro das Citações, por José Paulo Cavalcanti Filho
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 502 >>>
É de José Paulo Cavalcanti Filho a "quase autobiografia" de Fernando Pessoa, composta, mui habilmente, com textos do próprio poeta, amarrados graças a uma densa pesquisa de anos. Não existe nada parecido, nem em Portugal. Como profundo conhecedor da obra do poeta, quase um embaixador de Fernando Pessoa no Brasil, José Paulo Cavalcanti Filho derivou, da "quase autobiografia", um novo livro, de citações. Nem todos os poetas conseguem ser citados "fora de contexto". Ou até são citados, mas não funcionam em forma de frase, fora de seus poemas. Fernando Pessoa, pelo contrário, se revela um aforista e tanto. Porque, justamente, há algo de filosofia em sua obra. Um desejo de pensar o mundo, mesmo quando abdicando do pensamento, ou do exercício do pensamento, como Alberto Caeiro. Álvaro de Campos funciona ainda melhor, sobretudo por causa de poemas como o histórico "Tabacaria". Bernardo Soares, nem é preciso dizer, por causa do Livro do Desassossego, poesia em prosa, no mais alto nível. Mas até Ricardo Reis, o admirador de Horácio, compositor de odes, se sai bem como frasista. Sem contar Fernando Pessoa, "ele mesmo", e outros heterônimos menos conhecidos. José Paulo Cavalcanti Filho traduziu, inclusive, sua produção em inglês e ela funcionou satisfatoriamente em português brasileiro. A grande descoberta, nas notas do organizador, é que são todos, igualmente, Fernando Pessoa, mais do que ele talvez gostaria de reconhecer. Quando se conhece sua história de vida ― no nível em que José Paulo Cavalcanti a conhece ―, Fernando Pessoa se revela inteiro, por mais que tente com seu gênio se camuflar. Este poema, de 1934, por exemplo, não daria uma grande pensata? "Não sabemos da alma/ Senão da nossa;/ A dos outros são olhares/ São gestos, são palavras". E Bernardo Soares, contrariando a produtividade da nossa época? "Adia tudo. Nunca se deve fazer hoje o que se pode deixar de fazer também amanhã". Ou ele, novamente, sobre o amor: "Nunca amamos alguém. Amamos, tão somente, a ideia que fazemos de alguém. Em suma, é a nós mesmos que amamos". Novamente Pessoa, ele mesmo, refletindo sobre o papel do artista: "O artista não tem que se importar com o fim social da arte, ou, antes, com o papel da arte dentro da vida social. O artista tem só que fazer arte". Já, para nós, escreveu Álvaro de Campos: "E tu, Brasil, república irmã, blague de Pedro Álvares Cabral, que nem te queria descobrir!" (grifo do poeta). Ainda Campos, repensando as famosas "cartas de amor ridículas": "Só as criaturas que nunca escreveram/ Cartas de amor/ É que são/ Ridículas". Sem contar o genial slogan que Pessoa escreveu para a Coca-Cola: "Primeiro estranha-se. Depois entranha-se". Ou ele mesmo, mais uma vez, numa carta a Sá-Carneiro: "Estou hoje no fundo de uma depressão sem fundo. O absurdo da frase falará por mim". Desmascarando, ainda, a democracia: "O eleitor não escolhe o que quer; escolhe entre isto e aquilo que lhe dão, o que é diferente". Ou Bernardo Soares, definindo o que Fernando Pessoa fez a vida inteira: "Escrevo porque esse é o fim, o requinte supremo". No final das contas, o que "não tem fundo" é o baú de preciosidades de Fernando Pessoa. Quanto mais descobrimos ― lendo ―, mais nos encantamos. E José Paulo Cavalcanti Filho encontrou uma nova forma de revelar Fernando Pessoa ao mundo. Que a Record continue bancando seus empreendimentos.
>>> Fernando Pessoa - O Livro das Citações
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Julio Daio Borges
Editor
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