DIGESTIVOS
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Quarta-feira,
28/8/2002
A ignorância alheia
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 96 >>>
Em reportagem de Adriana Carranca, o Estado de S. Paulo de domingo retrata a vida dos típicos "culturettes" paulistanos. Gente que atravessa maratonas de festivais de cinema, interna-se em exposições e bienais, enfrenta filas quilométricas durante horas, para gastar o que tem e o que não tem e acompanhar uma infinidade de atrações promovidas na cidade. Em princípio, tudo é alimento para o espírito, cultura e arte nunca são de mais, etc. e tal. Mas será que não existe um limite máximo recomendável? Afinal, assistir a cinco sessões seguidas num multiplex, emendar três dias num museu (não importa se no Louvre ou no Masp), protagonizar "bate-voltas" intermunicipais atrás de eventos artísticos até podem ser uma opção - de vez em quando. Agora, fazer disso um hábito indica algum princípio de patologia muito grave. Em casos assim, o diagnóstico é límpido e cristalino: perdeu-se o senso crítico. Se a experiência de aquisição de cultura se afirma pelo seu caráter "qualitativo", nada mais contrário a esse princípio fundador do que a ingestão meramente "quantitativa" de produtos da chamada indústria cultural. Claro, há nisso tudo uma sede de conhecimento marcada pelo exagero, tipicamente juvenil, que, na sua ânsia por informação, percorre léguas de realizações humanas, sem nunca jamais se bastar. E, claro também, há uma nação historicamente vitimada pela "falta" (e não pelo "excesso") de cultura - de modo que o pecado capital da gula, nesse caso, não deveria ser desabonador ou condenável. Acontece que, para além de todo tempo e lugar, a cultura não pode ser vivenciada da mesma maneira inocente e frugal com que se degusta, por exemplo, os mais finos quitutes do reino do "entretenimento". Até porque cultura não é estandarte, altivez ou soberba, acumulação simples e orgulhosa - é tesouro, para ser guardado nos escaninhos da memória; e só puxado de vez em quando, como se faz com uma lembrança doce e preciosa.
>>> Cinema, teatro, shows e exposições: a vida dura dos "maratonistas culturais"
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Julio Daio Borges
Editor
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