DIGESTIVOS
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Quinta-feira,
24/10/2002
Trauma a ser evitado
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 105 >>>
Em sessão lotada, estreou finalmente "Cama de Gato", filme de Alexandre Stockler, na 26ª Mostra BR de Cinema. Há algum tempo, o longa vem sendo divulgado como uma iniciativa que consumiu poucos recursos. Realizado em "digital", não passou dos R$ 120 mil, com apenas meia dúzia de atores (entre eles, Rennata Airoldi e Caio Blat). É igualmente parte do movimento "Trauma" (Tentativa de Realizar Algo Urgente e Minimamente Audacioso), uma clara referência ao "Dogma 95" dinamarquês, que deu a luz a Thomas Vinterberg e Lars von Trier, "Festa de Família" (1998) e "Dançando no Escuro" (2000). No Brasil, "Cama de Gato" remonta à mesma linhagem de "O Invasor" (2001), de Beto Brant, e de "Cidade de Deus" (2002), de Fernando Meirelles. Têm como foco as tensões urbanas brasileiras, desencadeadas a partir de um único fato, aparentemente isolado, sempre com conseqüências desastrosas. "Cama de Gato", portanto, junta-se ao coro dos que pretendem devolver à sociedade brasileira uma realidade que, segundo crêem, ela mesma criou. Stockler conta a história de três rapazes de classe média alta que, para se divertir, promovem uma "festinha" a quatro. O plano não sai como esperado e a "brincadeira" acaba em estupro e morte. Suas tentativas de saírem ilesos da situação se revelam ainda mais infrutíferas, produzindo apenas novas mortes. Qualquer semelhança com "Cova Rasa" (1994) e "Um Plano Simples" (1998) não é mera coincidência. Aqui, inclusive, cabe um parêntese. A eficiência desse discurso, baseado no "choque", na "violência" e no "desconforto", ainda é questionável. O raciocínio é elementar: os filmes agridem o espectador; o espectador, agredido, não volta mais. Em São Paulo, tem-se o exemplo do circuito alternativo de teatro, amargando eterna falta de público, e da Bienal Internacional, a cada edição mais vazia e desacreditada. O "consumidor", acostumado a um mercado que normalmente o bajula, não entende como alguém possa requerer sua presença e, em seguida, acusá-lo, julgá-lo e condená-lo por causa de uma dada "realidade". O cinema brasileiro, renascido das cinzas, precisa muito cuidado para não cair na onda do suicídio mercadológico. E "Cama de Gato", apesar de bem escrito, bem dirigido e bem montado, não foge à regra.
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Julio Daio Borges
Editor
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