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Terça-feira,
29/10/2002
Testamento de Heiligenstadt
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 105 >>>
Num de seus artigos sobre música, H.L. Mencken se põe a imaginar como teria sido a recepção da Heróica de Beethoven: "Sem dúvida, aquela platéia da estréia em Viena, chocada e confusa pelos sucessivos desafios do primeiro movimento, deve ter ficado grata pela lúgubre melodia [do segundo movimento]. Mas, e o scherzo [do terceiro movimento]? Outra perversa investida contra o pobre Haydn!". Quase dois séculos depois, segue enorme a expectativa pela Terceira Sinfonia. Assim foi na Sala São Paulo, durante a apresentação da Orquestra Sinfônica da Rádio de Hamburgo, sob a direção de Christoph Eschenbach, um baixinho de calva reluzente e enérgica, vestido à moda dos feiticeiros da Idade Média. Sua Heróica só aconteceu mesmo nos últimos dois movimentos, pois faltou pulso nos dois primeiros, e, ainda assim, foi ofuscada pela bela violinista Julia Fischer. A alemãzinha de 17 anos, empunhando um Stradivarius "Booth" com quase três séculos, executou de memória e face altiva o "Concerto para violino em lá menor" (op. 53), de Dvorák. Como se não bastassem o vestido vermelho, as longas madeixas loiras e o ar embasbacado da platéia e do maestro, encerrou como uma fuga de Bach, depois de aplausos insistentes. Também pudera: a moça vem sendo preparada desde os 4 anos de idade pela mãe, a pianista Viera Fischer (para que se perceba que nome nem sempre é sinônimo de predestinação). Antes da celebração do velho Ludwig, mais precisamente durante a pausa, Julia ainda podia ser vista saltitante, com mochila nas costas, saindo pelos fundos, depois de ter feito tremer a Sala São Paulo. Apesar da Terceira Sinfonia não ter sido retumbante conforme esperado (algo muito natural, aliás), a orquestra esteve impecável na "Abertura Carnaval" (op. 92), também de Dvorák. Uma noite de flores e espinhos, para encerar mais uma vitoriosa temporada do Mozarteum.
>>> Mozarteum Brasileiro
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Julio Daio Borges
Editor
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