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Segunda-feira,
30/12/2002
Teatro em 2002
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 114 >>>
O teatro brasileiro parece sofrer de alguns cacoetes. Em 2002, deu bem para perceber. Em primeiro lugar, o da atriz global (ou antes: modelo) que quer provar seu "talento" no palco. Como se precisasse repetir o chavão: "Eu não sou mais um rosto bonitinho, mais um corpo turbinado por plásticas, mais um sucesso de uma novela só." Nessa categoria entrou, vamos ser francos, Carolina Ferraz, com seu "Selvagem como o vento", em que gritou e esperneou, sob a batuta de Denise Stoklos, até que foi interpelada pela platéia, ultrajada, numa memorável seção. Também foi o caso de Maria Fernanda Cândido, a Madalena arrependida de "O Evangelho Segundo Jesus Cristo". Embora a maioria fosse mesmo para contemplá-la na transparência de uma meia dúzia de véus, todos concordam que ela ficou muito melhor anunciando telefone na televisão. Mas malhado mesmo foi o ator Eriberto Leão, namorado da Tiazinha. E por nada mais nada menos que Gianni Ratto, o lendário encenador: "Dizem que um idiota aí, para representar Jesus Cristo, fez até musculação", disparou em Carta Capital. Claro, há outros globais que trabalham sério e com afinco, como Eduardo Moscovis (o Du), par constante de Ana Lúcia Torre, em, por exemplo, "Norma". Mas aí entra o segundo cacoete do teatro nacional, que afeta o nosso cinema também. Trata-se da necessidade imperiosa de "chocar". Ou, no linguajar dos divulgadores, provocar "desconforto" no espectador. Não, não é com sexo ou com mulher pelada. Não mais. Agora a coisa se dá através de temas "proibidos" ou reviravoltas "inesperadas". Moscovis, em "Norma", por exemplo, revela que é gay e parte para cima de Ana Lúcia Torre, na base do "Sou, sim, e daí?". Como se por um momento os eternos oprimidos se transformassem em vingativos opressores, invertendo tudo e saltando para cima da moral do público pagante (se é que ainda lhe resta alguma). Já na linha "enigmática" (embora não seja teatro daqui), tivemos "O Monta-cargas", de Harold Pinter, na luxuosa sala do Centro Brasileiro Britânico. Mas, voltando: um terceiro cacoete seria o do besteirol - sem dúvida, o pior legado do humor tido como "renovador", nos anos 80, o mesmo que viciou a platéia no que há de mais rasteiro e chulo. Dessa doença, padeceram "Três Homens Baixos" e, em menor grau, "Cócegas" (que também padece um pouco do primeiro cacoete, o da afirmação global). Claro, existem outros movimentos de valor, como a Mostra do Cemitério de Automóveis, de Mário Bortolotto, os espetáculos do Ágora, de Celso Frateschi e Jairo Matos, as iniciativas do TBC, de Gabriel Vilela, e até algumas montagens internacionais que, de vez em quando, aportam. No geral, contudo, o teatro anda muito umbigocêntrico, e "de mal" com o público. Que em 2003 ele pense mais no tempo e na paciência de quem, literalmente, paga pra ver.
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Julio Daio Borges
Editor
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