DIGESTIVOS
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Segunda-feira,
10/2/2003
Seis anos esta noite
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 120 >>>
Ela conta que Ele, quando acordava de mau humor, punha-se a cantarolar marchinhas de Carnaval. Quanto mais baixo o astral, mas alta a voz e mais elaborada a encenação. Quando a depressão batia forte, o jeito era escrachar com referências de baixo calão e até jingles publicitários. Em geral, até a primeira metade do século XX. E sempre a plenos pulmões. Assim, num dia de maior animação, Ela podia surpreender-se com Ele cercando-a pelos corredores à base de "You're just too good to be true/ Can't take my eyes off of you". Ela ficou seis anos sem contar essas histórias. Rompeu o silêncio agora, por causa da saudade. E por causa de um site em sua homenagem. Em 1997, Ele se foi. Há ainda casos dos amigos lá. Um deles conta que quando Ele ia gravar suas participações na televisão recusava-se a usar teleprompter. Também não ia adiantar: Ele era míope e, diante das câmeras, fazia questão de não usar óculos - só cenográficos. Subia numa espécie de palco e tinha sua fala decorada. Como em teatro. (Em sua juventude, Ele foi ator.) Então começava aquela barulhada da redação - e Ele se desconcentrava. Possuído, descontava sua raiva no criticado daquele dia ou daquela semana. Ele era crítico e fazia inserções nos noticiários para a tevê. Depois de algumas tentativas, encerrava impecável sua participação. Pegava, então, seus livros - e saía, mundo afora, emendando trechos de ópera. "Quem canta seus males espanta", costumava comentar. Apesar de destinar impropérios aos insolentes que ousavam incomodá-lo, Ele era generoso - e maternal. O último adjetivo fica por conta de um outro amigo. O mesmo que, uma vez em Nova York, foi abrigado por Ele em seu escritório. (Há o testemunho de gente que recebeu até dinheiro dele, quando estava precisando. Ele pedia sigilo absoluto. E ninguém nunca soube. Até agora.) No tal site, ainda há fotos dele em suas viagens. Em algumas, Ela também está. Em outras, mais amigos. Em outro setor do site, Ele aprece bebê e, depois, jovem. Já carrancudo. Com o cabelo preto e aquele olhar desafiador. Ela anuncia que outros amigos vão escrever sobre Ele lá - e que, inclusive, jovens vão falar da influência que Ele exerceu. Ela sempre fica triste nesta época do ano. Com o frio e a proximidade do dia 4. Em 2003, porém, Ela resolveu falar.
>>> PauloFrancis.com
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Julio Daio Borges
Editor
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