DIGESTIVOS
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Terça-feira,
8/7/2003
Quase Cony
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 138 >>>
Que mistério tem Cony? Não escreveu os romances mais importantes do Brasil de sua época. Não foi o mais brilhante jornalista. A velhice sequer fez dele o mais sábio cronista na ativa. Mas Cony é paparicado, de alto a baixo, desde a sua estréia, como ex-seminarista, em 1958, com “O ventre”. Arrematou os maiores prêmios literários, durante anos seguidos, em seu tempo. E, quer se queria quer não, privou sempre da companhia da mais fina flor do jornalismo e das letras brasileiras (Nélson Rodrigues, Otto Maria Carpeaux, Paulo Francis). É o que atesta o perfil de Cícero Sandroni, para a série da Relume Dumará, sobre o autor carioca. O “quase perfil”, como prefere chamá-lo Sandroni, não é pródigo em informações novas, nem explica o paradoxo de Cony: – É paparicado porque recebe elogios? Ou recebe elogios porque é paparicado? A tal ponto que todo mundo morre de medo de falar alguma coisa do Cony. Deve ser de um charme pessoal irresistível, porque suas “obras-primas” (“Quase memória” [1995], “Informação ao crucificado” [1961], etc.) não impressionam e seu jornalismo não causa hoje o mesmo impacto que um dia causou. Uma explicação talvez para a sua consagração em vida seja o fato de haver enfrentado o golpe militar de 1964, estoicamente, nas páginas do “Correio da Manhã” – tendo se estabelecido como a voz e a consciência de uma geração, conforme sugere o depoimento de Luis Fernando Verissimo. Talvez seja isso. O interessante é que o próprio Cony não se enxerga assim – como um “mito”. Fala mal de suas realizações e acredita não ter ido longe na vida (evocando uma professora de escola que costumava implicar com sua gagueira incorrigível). É provável que a falta de consideração para com o próprio “legado” tenha inclusive contaminado o “perfil”. Sandroni perde-se em justificativas e conjecturas, cita demais os “Cadernos de Literatura” do Instituto Moreira Salles (em vez de lançar-se à pesquisa) e até rememora um episódio em que o próprio “perfilado” se absteve de colaborar com a empreitada. Resumo da ópera: Cony não se leva a sério, mas o “mundo” (ou, ao menos, a “intelligentsia” brasileira) o leva – e quem perde, na indecisão, são seus leitores.
>>> Carlos Heitor Cony: Quase Cony - Cícero Sandroni - 137 págs. - Relume Dumará
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Julio Daio Borges
Editor
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