DIGESTIVOS
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Quinta-feira,
24/7/2003
Os grilos não cantam mais
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 140 >>>
Fernando Sabino e a editora Record têm feito um belo trabalho com a coleção de cartas do escritor. Primeiro, editou-se sua correspondência com Clarice Lispector (“Cartas Perto do Coração”, 2001). Depois, as missivas compartilhadas entre os amigos da vida inteira: Hélio, Paulo e Otto (“Cartas na mesa”, 2002). Agora, surge mais um volume com a troca de gentilezas (e de grosserias também) entre um incipiente Fernando Sabino e um Mário de Andrade no fim da linha (“Cartas a um jovem escritor e suas respostas”, 2003). O “establishment” literário brasileiro tinha muita curiosidade por esse material – quase sempre referido como de um tempo longínquo, por vezes, inacessível. A impressão inicial é de que Mário foi o grande tutor de Fernando, então com 18 anos, quando o intercâmbio se iniciou. Com a leitura, porém, vamos percebendo que o escritor precoce adquire “maioridade”, publica a consagrada novela “A Marca” (1944), e rompe com Mário de Andrade. Há suspeitas de que o Papa do Modernismo tenha desdenhado do sucesso de seu “protegido” e, enciumado, sugerindo abandono, direcionado-lhe farpas numa carta a Paulo Mendes Campos (parcialmente reproduzida no volume). São futricas – ainda que futricas de grandes nomes da nossa literatura. Talvez não merecessem menção, mas é por causa delas que a correspondência se interrompe e o livro se arrasta, alquebrado, até a morte de Mário (1945). O que há para se destacar é o prefácio carinhoso, do Fernando Sabino de hoje (que, em outubro, completa 80 anos), e a paixão (no melhor sentido do termo) nascida entre os dois homens. O jovem num ardor e numa desorientação que não cabiam no mundo; e o velho “vampirizando-o” (também no bom sentido), dividindo um pouco do seu saber e de suas conclusões sobre os tempos idos. Achados: Mário de Andrade chamando Jorge Amado de ignorante e preferindo Portinari a Lasar Segall; também revendo os “erros” de Macunaíma e compondo o célebre “Frederico Paciência”. Talvez uma das maiores contribuições desse Andrade tenha sido mesmo a epistolar. E Sabino, para a nossa sorte, soube aproveitar.
>>> Cartas a um jovem escritor e suas respostas - Fernando Sabino e Mário de Andrade - 218 págs. - Record
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Julio Daio Borges
Editor
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