DIGESTIVOS
>>> Notas >>> Artes
Sexta-feira,
27/8/2004
Segunda alma
Julio
Daio Borges
+ de 1800 Acessos
|
Digestivo nº 190 >>>
A Jorge Zahar, no final do ano passado, obteve algum sucesso de público e de crítica quando empreendeu a edição da versão quadrinizada de “Em Busca do Tempo Perdido”, de Marcel Proust. Foi o presente de Natal literário por excelência, e muitos tomaram contato com essa adaptação exemplar, iniciando-se nos mistérios do mestre francês. Ultimamente fica a impressão de que se quer repetir a dose com “Vincent & Van Gogh”, mas no reino das artes plásticas. O álbum, de Gradimir Smudja, é mais uma vez um primor em matéria de artes gráficas. Como argumento, começa até que bem: com o célebre protagonista vagando por Paris, sendo sistematicamente rejeitado por Gauguin e por Lautrec, trombando nos salões com Degas e buscando refúgio no campo, não sem antes pisar no “calo” de Monet. Sua redenção, porém, se dá por meio de um gato: Vincent. Apresentando-se como alguém cuja linhagem remete a uma família de felinos pintores, o novo companheiro de Van Gogh vai ser sua salvação na pintura. Além de possuir um talento singular, Vincent faz uso de técnicas esdrúxulas (pintando, por exemplo, de cabeça para baixo) e – ao contrário de Van Gogh – lança-se na vida com desmedida voracidade. Se as histórias em quadrinhos pautadas pelo universo de Proust sugeriam (ou tentavam sugerir) uma temática adulta, as aventuras de Vincent & Van Gogh pecam por uma certa infantilização. O autor brinca com o gato e com o homem, aparentemente sugerindo que um é o “alter ego” do outro – mas encerra o volume com a sugestão de que “Vincent” era o verdadeiro Van Gogh (que todos conhecemos) e que “Van Gogh” (seu dono) era apenas Theo (o historicamente conhecido irmão, a quem Vincent Van Gogh endereçava suas cartas). A salada é completa e, de alguma forma, continua – uma vez que Smudja estende sua tese ao Gauguin da história: igualmente desprovido de talento, dependeria integralmente de seu papagaio Paul... Não deixa de ser interessante mas, por outro lado, simplifica demais o milagre da criação – submetendo os criadores ao capricho de alguma criatura animada e não-humana. Vincent Van Gogh merecia mais. Ao menos, tanto quanto Marcel Proust.
>>> Vincent & Van Gogh - Gradimir Smudja - 72 págs. - Jorge Zahar
|
|
Julio Daio Borges
Editor
* esta seção é livre, não refletindo
necessariamente a opinião do site
|
|
|