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Sexta-feira,
22/10/2004
Nós, profetas, somos muito teimosos
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 198 >>>
A lembrança mais presente do Snoopy, para a geração televisão, é aquele desenho que passava dublado, nem-sei-em-que-canal, e que colocava Charlie Brown no centro, como uma criança problema, em permanente crise de identidade. Charles Schulz, na verdade, em 2 de outubro de 1950, ao lançar a série Peanuts, antecipava o existencialismo desencantado de Woody Allen em algumas décadas. É o que se comprova com as tiras reeditadas agora, no Brasil, pela Conrad. Também em A Vida é um Jogo e Que Saudade, Snoopy! (os dois mais recentes títulos), Charlie “Minduim” Brown está em primeiro plano, encabulado entre a Garotinha Ruiva e as recorrentes investidas de Patty Pimentinha; premido entre a sua turma que “cresce” (e se transforma) e o seu cachorro (que pode não falar, mas que pensa e tem muito estilo). Schulz definitivamente criou uma obra-prima no universo das HQs e usou de inocentes criancinhas para propagar as inquietações sociais de seu país, os Estados Unidos. Lucy ou Lucíola (depende em que língua), uma protofeminista, tenta, por exemplo, implantar a psicanálise no grupo, mas sua banca de consultas psicológicas acaba confundida com uma banca de vender sucos. “Que puxa!”, diria ela, se fosse o protagonista. Já Marcie surge com complexo de inferioridade e uma queda pela idolatria, seguindo os passos (e as ordens) da Pimentinha e chamando-a, para a sua irritação, de “senhor”. Além dessas reivindicações de seu tempo, Schulz é capaz de cenas da mais absoluta poesia, no reino das histórias em quadrinhos, quando promove encontros (e desencontros) do beagle mais famoso do mundo com seu companheiro Woodstock, o passarinho de linguajar incompreensível. Snoopy então sai da imagem estática e do costumeiro ar blasé para mostrar suas traquinagens e sua própria interpretação dos dilemas humanos. Talvez incorpore nosso desejo primal de transmitir, a um ser “alienígena”, o julgamento de atos e palavras – que nos confundem tanto e nos aprisionam nesse negócio chamado “vida adulta”.
>>> A Vida é um Jogo | Que Saudade, Snoopy! - Charlie M. Schulz - Conrad
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Julio Daio Borges
Editor
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