DIGESTIVOS
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Quarta-feira,
9/3/2005
No reino de Kapilavastu
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 217 >>>
O orientalismo é quase um reflexo condicionado de gente que se diz espiritualizada e que se considera, hoje, descolada no Brasil. Desde provavelmente os anos 60, uma década vítima da embromação da “filosofia” hippie, que prometia acesso a outras esferas e dimensões astrais, via estados induzidos da mente, através de substâncias químicas. Passado um certo tempo, nós sabemos onde essas viagens vão dar. E o papo de nova era, ou new age, foi felizmente abandonado, caducou. Acontece, no entanto, que, apesar dessas macaqueações e dos gurus que vêm e vão, o oriente tem muito a nos ensinar. E talvez um bom início, despretensioso, para não cair nessas armadilhas de falsa transcendência, seja o álbum de Osamu Tezuka, um dos pais do mangá japonês, dedicado a Buda, em 14 volumes, lançado agora pela Conrad. O primeiro livrinho, para ser lido de trás para frente, da direita para a esquerda, como o original, é uma sensível homenagem à tradição filosófica que fundou a civilização oriental. Em quadrinhos. Tezuka volta aos primórdios, quando Sidarta não havia nem nascido, e transporta o leitor para as antigas castas da Índia, para a peregrinação de um certo brâmane, rumo ao sul, à procura do homem que ia “se tornar um deus... ou o rei do mundo”. O Messias? Jesus? Não, Buda. Esse primeiro capítulo, por assim dizer, é ainda uma sutil homenagem ao que costumamos chamar de reino animal, pois conta a história de Tahta, um menino, um pária, que sabia conversar e entrar na mente de todas as criaturas (principalmente as que, usualmente, consideramos inferiores). Um dos maiores erros da tradição ocidental – que filósofos como Espinosa e Nietzsche tentaram corrigir, por enquanto, em vão –, foi separar o mundo das idéias do mundo sensível, remontando ao platonismo e desembocando no cristianismo. Essa tradição, a nossa tradição, descolou o homem da natureza e confinou-o em labirintos que o afastaram de sua verdadeira existência – uma existência, também, animal. Os traços de Osamu Tezuka não têm a pretensão de mudar os rumos da nossa civilização, mas a beleza de sua parábola, artisticamente representada, pode ser poderosa e duradoura.
>>> Buda: vol. 1 - Osamu Tezuka - 214 págs. - Conrad
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Julio Daio Borges
Editor
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