DIGESTIVOS
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Segunda-feira,
18/4/2005
Lamento no morro
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 223 >>>
Pode até ser lugar-comum, mas muita gente ainda não sabe que a bossa-nova se caracterizou por aquele cantar econômico, por uma poesia lírica mas contida, por um acompanhamento rítmico e minimalista. Vinicius de Moraes, que se derramou na vida, foi um grande letrista para João Gilberto e Tom Jobim porque, apesar dos diminutivos excessivos, captou o espírito da alegria dos 50/60 e a quase imposição modernista do mot juste. De “Chega de Saudade” até “Garota de Ipanema”, principalmente quando interpretadas pelo baiano de Juazeiro, a impressão é a de que não falta nada e, mais do que isso, de que não sobra nada. E todo mundo sabe que Caetano Veloso foi um dos maiores discípulos de João Gilberto, mormente no que concerne ao canto. E que Gal Costa foi considerada, no princípio, um João Gilberto de saias. Agora, tomando tudo isso, o que não dá pra entender, no conjunto, é a recente homenagem de Maria Bethânia a Vinicius de Moraes. Bethânia, que vinha acertando sucessivamente, muito mais do que seus colegas baianos, de repente se descuidou e embarcou num repertório que não tem mais (se é que um dia teve) a sua cara: as canções do Poetinha do Itamaraty. Bethânia, claro, ao contrário de Nara Leão, nunca foi uma intérprete clássica de bossa-nova; e Bethânia, claro, tem toda a liberdade para recriar esse cancioneiro à sua moda. Acontece que se a sua releitura não for genial, por ser Bethânia a dona de um vozeirão, de poderosos gestos cênicos e de grandiloqüência orquestral, dificilmente vai se adaptar aos preceitos do legado de Vinicius & Tom. Toda essa teoria se confirma no álbum Que falta você me faz, pela Biscoito Fino. Onde deveria haver um banquinho e um violão, há um maestro e um manto de cordas (“Minha namorada”); onde deveria haver a pronúncia seca, mínima, inaudita, há o eco, a extensão, o vibrato (“A felicidade”); onde deveria haver a celebração da existência, a festa, a cantoria, há a tensão, o baixo astral, o drama fácil (“Eu não existo sem você”). A gente sabe, óbvio, que Bethânia excursionou com o mestre e que não é, justamente, marinheira de primeira viagem; e igualmente sabe que ela sempre se deu muito bem com Fernando Pessoa (modernista de primeira água). Ocorre, infelizmente, que o resultado final desse CD, computados alguns bons momentos, não é digo nem dela, nem dele, nem da MPB. Bethânia não merece ser apedrejada – porque hoje é quase impossível revisitar Vinicius e não soar banal –, mas, ao mesmo tempo, tem de admitir que, dessa vez, errou.
>>> Que falta você me faz - Maria Bethânia - Biscoito Fino
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Julio Daio Borges
Editor
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