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Quarta-feira,
1/8/2007
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Redação
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Os Jornais Acabam? V
Embora tudo se ache na rede, esta é uma salada, com 90% dos ingredientes de má qualidade, mal escritos e muito superficiais. Evidente que os 10% de boa qualidade podem suprir, porém, devido à tradição fortemente calcada nos leitores, à facilidade do transporte do exemplar e ao espaço já consagrado de muitos articulistas, fica claro que os jornais tradicionais em papel ainda vão perdurar bastante.
Danilo Zanirato
Cuiabá/MT
É muito improvável que "os jornais acabem". Sempre haverá um público que queira estabilidade na circulação e recebimento de informações num período regular de 24 horas. A internet é inconstante, às vezes as notícias demoram para aparecer e nunca a informação é de alguma forma digerida em seu significado. Nos jornais diários, ao contrário, as informações sofrem editoração, o que permite ao leitor uma digestão mais completa do significado daquilo que ele tem em mãos.
Adriano
Santo André/SP
Não. Os bons jornais, aqueles cuja matéria principal são os artigos de opinião e as análises dos fatos, tenderão a se aperfeiçoar. Os que vivem de sensacionalismo e de notícias de impacto, por seu lado, não têm futuro. Não há como vencer a simultaneidade acontecimento/notícia, que é a vantagem das redes. Assim, teremos uma "seleção natural" no mundo do jornalismo impresso. Se minha leiga opinião vale alguma coisa, no entanto, mesmo viciada em internet, não abro mão de minha leitura dominical. O jornal nesse dia acompanha o pão e a geléia do o café da manhã.
Vera Lúcia Bazzo
Florianópolis/SC
Tradicionalmente, os jornais primam pela organização dos assuntos e qualidade dos textos. Textos que muitas vezes nos remetem a grandes jornalistas, escritores e cronistas, que definem e caracterizam o estilo de um jornal. A internet, infelizmente, acabou por sintetizar textos e notícias, colocando o trabalho do autor em segundo plano. Os jornais têm como papel fundamental manter sua equipe e estilo próprio, que sempre marcaram sua história. Se o que buscamos sempre foi qualidade, os jornais estarão sempre presentes.
Gustavo Ludovice Kalil
São Paulo/SP
Em minha opinião, não corremos tal risco. Pela simples razão de que um formato (crucial, como é o do jornal) não se esgota em um processo simples. Se o jornal estivesse fadado à extinção, já teríamos suportes mais competentes - o que, na prática, ainda não existe. Os meios não são alheios à sociedade. Mantemos vínculos com eles, com seus processos, seus mecanismos, sua temporalidade. O jornal impresso, na sua (lenta?) rotina diária, é ainda o formato mais competente para suprir nossas necessidades de informação e interpretação da realidade. Alguns "tecnomaníacos" observarão uma migração dos leitores do jornal ao suporte virtual, em razão de suas (alegadas) vantagens: sua comprovada velocidade, trazendo-nos os dados em tempo real; seu potencial de democratização, já que, na Web, somos todos potencialmente produtores de notícia. Mas basta uma breve navegada nos principais portais da internet para constatarmos a realidade: o chamado webjornalismo nada mais é, por fim, que um repetidor dos vícios do mau jornalismo. Em razão de preencher uma lógica do "minuto a minuto", o que assistimos é um festival de "notícias" que mal interessam a alguém. Pensemos: para que precisamos de tanta velocidade? O jornal impresso é ainda o formato que melhor dá conta de nossas necessidades de informação e - mais que isso - de compreensão dos fatos. Desconsiderar isso, a meu ver, é desconsiderar o próprio papel (histórico) do jornalista: não um mero "entregador de dados", mas um leitor privilegiado dos movimentos do mundo.
Maura Oliveira Martins
Curitiba/PR
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Julio Daio Borges
1/8/2007 às 17h07
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Ouro Preto 2007
Vontade de sentir um ventinho frio no rosto, passear por ladeiras carregadas de energias ancestrais, respirar cultura em volta de artistas e seus admiradores por todos os lados. A expectativa por essas sensações, com algumas horinhas de atraso, se concretiza às cinco da tarde quando chego a Ouro Preto, com o carro recepcionado por palhaços em performances no Centro. Do hotel direto para o Centro de Convenções, subindo ladeira, esquentando o corpo, e com a credencial rumo ao Anexo I. Confortavelmente no carro da produção chego no horário para jantar em um Deguste (o restaurante), para meu espanto, vazio. Logo estou acomodada para a minha primeira atividade no Festival de Inverno. Às sete da noite, Ruanda in memorian de Samba Félix N'Diaye é exibido. O documentário integra a Mostra "A África se Filma".
Em um festival marcado por homenagens à cultura africana e à história de Chico Rei, Ruanda in memorian foi escolha certa quando se quer mostrar ao mundo as mazelas que o povo negro sofre. Em meio a Copa do Mundo de 1994 e o fim do Apartheid, um genocídio ideológico matava cerca de 500 mil pessoas em Ruanda. O documentário mostra, através de entrevistas com sobreviventes e historiadores, como os Tutsi e os Hutus se mataram e foram mortos pela força militar naquela época. Fatos e imagens que até então não tinham sido mostrados de maneira crua e verídica para o mundo.
O filme é composto de muitos fade out, imagens detalhistas, estagnadas em rostos assustados ou tristes, casas cheias de corpos mumificados em Murambi, cujos mortos ainda não foram enterrados, em conjunto com crianças esperançosas que brincam e jogam bola na cena ao lado. Dentre as várias imagens e informações, são os mortos, famílias inteiras em suas casas no campo em que foram dizimadas, sem pele, mas com expressões de dor ainda reconhecíveis. "É preciso enterrar os mortos", diz uma mulher, que parece não ser ouvida.
Não se pretende tornar Murambi, o campo em que foram mortas milhares de pessoas, um ponto turístico. Estas imagens hoje não podem ser desfeitas, é preciso antes que o mundo veja as testemunhas desse genocídio causado pelo desejo de se acabar com uma raça. No final, uma música alegre e imagens feitas em movimento de dentro de um carro mostrando a despedida dos cineastas daquela terra. Era necessário divulgar em novo ângulo a história outrora esquecida.
* * *
Do choque à metáfora do cotidiano: às 20h30, de encontro ao Grupo Espanca!, com a peça Amores Surdos, estava eu. No início uma cortina quase transparente deixava a família à mostra, logo uma carta do vizinho lida em voz alta na qual este explicava o motivo da música alta e das brigas. Até então cenas reais que podem acontecer com quem mora nos grandes e pequenos centros. Um filho sonâmbulo que interage com a família durante as caminhadas pela casa sonhando, o caçula que não usa sapatos, a filha que não se cansa de escutar música no headphone e o filho que diz ir trabalhar, mas nunca vai. O pai nunca aparece e a mãe tenta cuidar da família como qualquer outra. O quarto filho mora fora e sempre liga para a família.
Na peça a confusão da família é ressaltada pelas várias ações ao mesmo tempo no palco. A ópera alta demais em certos momentos causa incômodo, a metalinguagem presente causa risos. Um som de piano e o caçula imagina tocar com suas peças do castelinho, em meio uma cena e outra, uma coreografia de sapateado com a mãe a chamar os filhos, repentinamente uma sujeira toma conta do palco, da família. No ponto crítico da peça o imaginário toma conta do real, como no sonho do filho sonâmbulo em que as cenas acontecem sem nexo: há um hipopótamo no quarto do outro filho ausente. O filho pequeno, que freqüentemente sente falta de ar, adota o animal com a justificativa deste ter um grande pulmão. O fato acontecera há cinco anos e ninguém da família havia percebido, assim como a ausência do pai que fora engolido pelo bicho. Decide-se matar o hipopótamo, mas a mãe impede: "Há coisas que foram feitas para se viver com elas", repete várias vezes, em gritos que incomodam e ressoam como a consciência de que mesmo que você não saiba ao certo da existência do outro, ou finge não saber, ele vai estar ali, sempre.
A situação fantástica que quebra todo um propósito de representar uma família comum, na verdade ilustra de maneira lúdica a falta de importância que as pessoas demonstram com os seus. Amores Surdos ao mesmo tempo que nos faz rir, leva o público a uma profunda análise sobre a relação que temos com nossa família e se de fato conhecemos nossos entes queridos e estamos cientes dos acontecimentos e feitos destes. No final o caçula dança sozinho enquanto a luz de apaga.
* * *
De volta às representações da cultura negra, nada mais afro-brasileiro que o samba. Às 22h30, com meia hora de atraso, o grupo do Rio de Janeiro Farofa Carioca mostrou todo o gingado e malandragem que o estilo tem. Um misto de samba, pagode, reggae, pitadas de rap e muito alto astral dos integrantes. O vocalista mostra seus dotes de sambista enquanto canta as dores e alegrias de ser negro em nosso país. As letras do Farofa Carioca, desde os tempos em que tinha Seu Jorge nos vocais, tratam de temas que envolvem o preconceito, a vida nas favelas, a malandragem carioca e o orgulho de ser negro.
A banda é composta por três metais (trompete, trombone e saxofone), baixo, guitarra, bateria, cavaquinho elétrico, dois percussionistas e vocalista. Mesmo sendo um grande número de músicos, o entrosamento é perfeito. A qualidade musical de toda a banda impressiona, o revezamento de músicos comprova, em alguns momentos da apresentação, seus vários talentos. Vocalista que vai para o surdo, também tenta tocar trombone e os responsáveis pelo surdo e trombone que assumem os vocais fizeram a festa que fez o público e toda a produção sambar durante o show.
Entre as várias músicas, sucessos que fizeram todos cantar junto como "Pretinha" e aquela que diz "ô coisinha tão bonitinha do pai". Destaque para o momento que o vocalista pede para as pessoas que acreditam na paz, no amor e na fé levantarem as mãos. Um dos momentos emocionantes foi a execução (e interpretação do vocalista) de uma música que conta a história de um ex-viciado em drogas e álcool. Interessante notar que, em meio às falas sobre o morro, o negro das favelas, o ritmo é ditado por instrumentos e equipamentos de última geração.
Cada instrumentista teve o seu momento, às vezes o cavaquinho sobressaía, depois era a vez dos metais, mas a hora da percussão foi o momento determinante do show, quando a banda convida algumas garotas para sambar no palco. No final, um lenço branco carregado pelo vocalista e o grito "Viva Chico Rei!" ressoando por toda a Praça da UFOP.
* * *
O final da noite foi reservado à música latino-americana com a banda União Latina se apresentando no Bar do Festival. Composta por 12 músicos e no palco em Ouro Preto com apenas 11, a banda mostrou o melhor da salsa, merengue, mambo e até um pouquinho de samba. As músicas compostas em espanhol fizeram Ouro Preto dançar da meia-noite até quase três da manhã. O Bar estava lotado e por volta das 23h30 ainda havia uma grande fila na porta à espera para curtir o show.
A banda apresenta um show atípico, voltado apenas para o contagiante ritmo latino, contando com músicos vindos do Uruguai, Cuba, Colômbia e alguns brasileiros. O modo de cantar e ao mesmo tempo dançar freneticamente conquista até mesmo aqueles que não estão acostumados a esse tipo de som. É perfeita a sinergia presente no palco, que fica pequeno para os metais, violão, guitarra, percussão, bateria e vocalistas/dançarinos. Os passos improvisados na hora, a agilidade do guitarrista, a força das vozes sempre agudas, os pequenos instrumentos de percussão que fazem a diferença, tornaram a apresentação da União Latina única.
O público dá um show a parte, dançando sozinho ou acompanhado, mesmo sem a noção exata de como se interpreta uma música latina, deixando seu corpo se levar pelo ritmo, principalmente quando o compasso acelerava. É divertido assistir às danças, ora engraçadas, ora sensuais. Até no samba eles se deram bem, mesmo porque enfatizam na letra: "Todo mundo tem um jeito de sambar".
No meio da apresentação alguns músicos do Farofa Carioca aumentaram a família latina com mais dois metais. Foi uma festa da música feita aqui na América do Sul. Quase no final uma coreografia é ensinada, novamente garotas são convidadas ao palco para dançar. Depois do orgulho negro se manifestar foi a vez do orgulho latino, que encantou a todos.
Mesmo com o final do show, o pessoal continuou animado na boate montada atrás do palco até altas horas da manhã. Assim que pude, me dirigi ao hotel e às quatro eu já estava apagada. Acordei cedo, um friozinho bom, um café-da-manhã delicioso que somente Minas Gerais pode proporcionar.
* * *
Foi uma estadia rápida, que deixou um sentimento de remorso por não ter participado dos outros 20 dias. Acredito que as quatro atividades que participei foram uma amostra de tudo que foi organizado no Festival de Inverno, com altíssima qualidade. Saí de Ouro Preto já com retorno garantido para o próximo inverno, mas com estadia prolongada.
Para ir além
Festival de Inverno de Ouro Preto e Mariana
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Camila Martucheli
1/8/2007 às 15h08
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Coetzee, um escritor inventivo
Slow man (Penguin, 2006, 266 págs.) é o livro mais auto-centrado de J. M. Coetzee. Foi publicado agora no Brasil pela Cia. das Letras (Homem lento, 280 págs., tradução de José Rubens Siqueira). Seria preciso reler para fazer um comentário mais aprofundado. Mas de primeira dá para perceber que - embora obras anteriores do sul-africano já tenham abordado o processo de criação, a relação do escritor com seus personagens e com seu meio (Foe, ainda não traduzido por aqui, que tem Daniel Defoe e Robson Crusoé como protagonistas; O mestre de Petersburgo, sobre Dostoiévski; Elizabeth Costello, um romance-ensaio) - esse mais novo romance não apenas discute a criação literária, como o faz por meio de uma atmosfera kafkiana, ao trazer à cena Elizabeth Costello, alter ego de Coetzee e co-autora e co-participante do enredo que se desenrola ante nossos olhos. Ela terá longas conversas com Paul Rayment, o personagem central. (Por isso, não procede a observação que Marina Monzillo fez na IstoÉ, de que o leitor pode sentir falta de diálogo.)
Rayment sofreu um violento acidente enquanto andava em sua bicicleta numa bonita manhã australiana, e como conseqüência teve uma perna amputada. Desespera-se, não vê mais sentido na vida. Em seguida, apaixona-se pela enfermeira que lhe presta serviços em casa, uma imigrante croata, casada e com três filhos. Tenta se agarrar a essa forma bastante peculiar de amor como um motor para continuar vivendo. Nessa esfera do livro, são discutidas questões como velhice, morte e amor não retribuído.
Quando Elizabeth Costello irrompe em cena, como que saída do nada, ela passará a discutir com Rayment, entre outras coisas, a estrita relação do escritor com suas criaturas. Rayment repetidas vezes lhe pergunta por que ela foi se ocupar logo dele, por que foi escolher um sujeito tão normal, com uma vida tão sem emoção, como personagem de um livro. Ao que Costello, enigmática e furtivamente, sempre responde que as coisas são assim porque têm que ser, Rayment a escolhera assim como ela o havia escolhido, e uma vez que começara a se ocupar dele, tinha que levar o processo até o fim, por mais inconcluso que este viesse a ser.
Essa seria uma história banal nas mãos de quase qualquer outro escritor contemporâneo, mas quem já freqüentou outras páginas de Coetzee sabe o que esperar de Slow man - não a santificação do escritor, da literatura, não a redenção dos personagens por meio de ações bondosas; mas desilusão, a exposição de personagens de procedimento deplorável (mas que sabem ser amáveis, em outros momentos), a desmistificação do processo literário, feito por indivíduos tão cheios de defeitos e fracassos quanto seus piores personagens.
Por último, há que se notar que uma atmosfera kafkiana tampouco é nova na obra de Coetzee. À espera dos bárbaros pode ser encarado como uma homenagem (e que homenagem!) ao autor de Na colônia penal. Para não mencionar uma dívida do sul-africano com Kafka já no título do seu Vida e época de Michael K. Apenas, novamente, essa característica chega ao limite em Slow man, que se não é o melhor romance de Coetzee, certamente é, ao lado de Foe, sua obra mais original.
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Daniel Lopes
1/8/2007 às 10h40
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Problemas da literatura BR
Qual é o maior problema da literatura brasileira?
(X) Os escritores não sabem escrever.
(X) Os leitores não sabem ler.
(X) Os críticos não sabem criticar.
(X) Os blogueiros se acham escritores.
( ) Os comentaristas de blog se acham críticos.
( ) Os críticos dos comentaristas de blog se acham.
(X) Os críticos dos comentaristas dos críticos dos comentaristas de blog... hã, onde estávamos mesmo?
( ) Ser brasileira demais.
( ) Não ser suficientemente brasileira.
(X) Não ser literatura.
( ) Literatura brasileira? Onde?
( ) Vai ler um livro e não me enche o saco.
Sérgio Rodrigues, no seu blog (via Edu Carvalho... porque eu também marquei)
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Julio Daio Borges
31/7/2007 à 00h21
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Um caos de informações inúteis
Há um legado hippie na filosofia libertária da blogosfera, no desprezo à autoridade, à mídia tradicional. Acho que a autoridade do Estado, da mídia, são coisas que devemos prezar, porque têm valores significantes que, se minados, criariam a anarquia. A rejeição da autoridade vista nos blogs não é progressista, é anarquista.
Andrew Keen, citado por Boombust, que linca pra nós (porque eu não vejo nada de mal nisso; o mainstream anda muito ressentido...)
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Julio Daio Borges
30/7/2007 às 20h33
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A crônica ontem, hoje e amanhã
As cem melhores crônicas brasileiras (Objetiva, 2007, 360 págs.), organizado por Joaquim Ferreira dos Santos, ele próprio um dos grandes do gênero no país, embora conte com alguns textos de qualidade duvidosa e, por um motivo ou outro, tenha deixado de lado escritores fundamentais, no geral é leitura para lá de prazerosa.
Nele, temos Machado de Assis escrevendo sobre "O nascimento da crônica" (o Machado cronista me diverte mais que o romancista); Lima Barreto misturando crônica e conto para nos trazer uma "Queixa de defunto", queixa contra as deploráveis condições das ruas do Rio de Janeiro (tenho um carinho todo especial para com o Lima, autor de um dos dois livros que gostei de ler no colégio, como paradidático, Triste fim de Policarpo Quaresma); Graciliano Ramos e suas palavras mágicas, que desconcertam e arrancam riso (em "Um milagre", como quem quer explicar o dito cujo, ele o ridiculariza em um único e final parágrafo); Nelson Rodrigues se insurgindo contra o "complexo de vira-latas" do brasileiro, aquele que nos faz achar que somos piores que o resto do mundo em tudo; Fernando Sabino e a crônica-fábula-conto "A invenção da laranja" (Sabino, não custa lembrar, é autor do melhor livro de crônicas da história da raça humana, A cidade vazia); o rico humor dos anos 1960, refinado em Millôr Fernandes, escachado em Stanislaw Ponte Preta; o lírico e místico Caio Fernando Abreu; o papo descontraído de Martha Medeiros, que entrou na coletânea com um só texto, mas poderia ter entrado com dez (felizmente, há livros da Martha a preços módicos na coleção pocket da L&PM).
Ficaram ausentes, por conta de problemas com os direitos autorais, Manuel Bandeira e Cecília Meireles.
Como qualquer seleção, esta é altamente subjetiva, como reconhece o próprio Joaquim dos Santos na introdução. Por exemplo, quem me garante que "as cem melhores crônicas brasileiras" não saíram apenas das penas de Fernando Sabino e Martha Medeiros? Mas é verdade que não faria sentido fazer um livro desses com apenas um punhado de autores.
E é claro que o livro atende a requisitos mercadológicos, também. Ou será que no Norte-Nordeste não se fez e não se faz crônicas melhores que a que Caetano Veloso (sem dúvida, um grande músico e compositor) conseguiu emplacar no volume? Julio Daio Borges, aqui no Digestivo, já havia observado de passagem a presença de nomes "de consenso" como o Caetano e o Chico Buarque na obra. Fora esses percalços, não há nenhum grande demérito que não faça d'As cem melhores crônicas brasileiras um apaixonante percurso pela literatura e história nacionais.
Quanto à condição da crônica no Brasil do século XXI, basta dizer que Joaquim dos Santos selecionou textos de Xico Sá, Marcelo Rubens Paiva e Tutty Vasques, mas poderia muito bem ter dado espaço a Mylton Severiano, Renato Pompeu de Toledo ou Nirlando Beirão, entre tantos outros, prova dos nove de que essa vertente literária tem futuro garantido por estas bandas. Ainda bem.
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Daniel Lopes
30/7/2007 às 12h57
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Pan-pouco-pan e nação top top
Acompanhei mais ou menos de longe o Pan que acaba de passar pelo Rio de Janeiro. Acompanhei parte da abertura, a cobertura por diversos canais de TV e pela mídia escrita, as fofocas e denúncias enviadas pela internet e o deslumbre de jornalistas que se comportaram mais como torcedores do que como profissionais da notícia.
A conclusão que pude tirar de toda essa observação não foi nem um pouco original: o Brasil não é mesmo um país sério.
Antes que receba críticas e seja chamada de antipatriota, advirto que tive oportunidades sedutoras de viver fora do país, mas nem pestanejei em voltar para cá. É o lugar em que nasci e, apesar de ter vontade de dar uns tapas no traseiro de muita gente daqui, gosto dele. Gosto tanto que reconheço nossas falhas e me disponho a contribuir para a melhora da nossa sociedade.
É claro que morro de vergonha quando vejo uma torcida inteira vaiar os jogadores de Cuba e fazer pressão psicológica em atletas de outras delegações, levando as disputas de quadra para o lado pessoal. Mas o que me incomodou mesmo foi que em vários momentos do Pan, isso virou estratégia para a conquista da medalha. Ou seja, um nivelamento por baixo.
Não interessa o fato de a Jade ter se dado mal nas barras assimétricas, interessa que a concorrente seja pior, assim a brasileira ainda poderá garantir uma medalha. E, nesse ponto, a narração esportiva foi impiedosa e dramática. No momento em que a concorrente titubeou na saída, só se ouvia um empolgante "ela vai cair, ela vai cair! A Jade tem chances!"
Vergonhoso. Tão vergonhoso quanto essa disputa pelo segundo lugar no quadro de medalhas contra Cuba. Segundo lugar! Que nação é essa que se contenta com segundo lugar, meu Zeus?
Enquanto assistia aos jogos do Pan, não me saía da cabeça a imagem do Fradim, do Henfil, e o seu famoso "top top". É isso, somos uma nação top top, que se contenta com o segundo lugar, nem que para obtê-lo seja necessário recorrer a vudus e mandingas que tirem Cuba do nosso caminho.
O pior de tudo é achar que um segundo lugar está bom. Não está. Pergunte aos atletas que ficaram com bronze e prata. Só quem acha bom um segundo e terceiro lugar é quem não esperava sequer um quarto.
E depois de pagar caro para entrar nos ginásios e estádios, vaiar os atletas adversários e espalhar "top top's", a brilhante torcida brasileira ainda acredita que estamos credenciados para sediar as olimpíadas. A torcida e alguns ex-voluntários do Pan, os desertores que se indignaram com a alimentação oferecida e, como retaliação, puxavam o coro de vaias nos jogos. Quanta ilusão!
Antes mesmo do encerramento do Pan, a mídia empoleirou-se nos ombros do presidente do COI a fim de ouvir um elogio, algo como "foi maravilhoso, o melhor Pan de todos os tempos!" Não foi. E graças a Zeus, alguém nesse mundo é realista e corajoso o suficiente para dizer isso para uma nação de deslumbrados.
É impressionante como nos contentamos com pouco. Serviços bancários que nos fazem esperar uma eternidade, ensino público e privado de baixa qualidade, corrupção solta em todas as esferas políticas e sociais, e não reclamamos de nada. Quando temos que nos mexer o mínimo, já achamos que fizemos muito.
Não fizemos. É pouco e ainda falta muito. Além de instalações e obras para sediar qualquer evento, é preciso educar a população e isso leva tempo, investimento e mobilização social numa escala que nunca se viu no Brasil. Ou seja, no andar da carruagem, é bem provável que o sol se apague antes de sediarmos qualquer olimpíada aqui.
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Pilar Fazito
30/7/2007 às 12h33
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Durango Kid, jornalista
Propriamente eu sou
Durango Kid
eu vim trazer
eu vim mostrar
novo jornal
novo sorriso
propriamente dizer
o só exato
pois hoje eu sou
o que eu fui
não desmenti
o meu passado
esse jornal
é meu revólver
esse jornal
é meu sorriso.
"Durango Kid" (Toninho Horta/ Fernando Brant)
Esse foi um pequeno hino ao jornalismo, num tempo em que havia um inimigo comum - no caso, o regime político militar brasileiro - e todo jornalista sentia um certo orgulho da profissão, que lhe permitia fazer parte de uma "resistência" ao obscurantismo vigente, e uma canção podia ser usada para isso, para dizer essas coisas. Ainda que o jornalista tivesse que despistar a censura, o que não era, "propriamente", tão difícil, porque a estupidez era oficial.
Durango Kid era um herói de antigos seriados, um cowboy justiceiro e, por isso mesmo, levemente marginal, é óbvio. Provavelmente foi um personagem querido de Fernando Brant, poeta, letrista e jornalista, que fez a letra sobre a música de Toninho Horta.
A música tocou nas rádios, a gente ouvia na rua, nos bares, nas festas, e ela provocava aquele pequeno sorriso irônico; a censura deixou passar, não viu. Éramos todos irmãos, pela liberdade de expressão, ainda que existisse alguma discordância ideológica. Mas nada tão grave a ponto de desunir uma fraternidade comum, que se opunha a uma adversidade incomum. Nada será como antes.
Milton Nascimento gravou, em 1970, acompanhado pelo Som Imaginário. Ouça um trecho.
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Guga Schultze
27/7/2007 às 23h32
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10º Búzios Jazz & Blues III
Ontem o inverno tomou conta da cidade. Porém, não tirou seu charme. A maré baixou no município de Armação dos Búzios, que, depois do turismo, ainda tem a pesca como principal atividade econômica, mantendo seu passado como vila de pescadores. A água límpida do mar ficou estática, deixando entrever toda a sua transparência. Nem mesmo o vento impedia que muitas pessoas passeassem de escuna pela região ou andassem pela areia bem agasalhadas no final da tarde. É visível que a cidade começa a encher com a proximidade do final de semana.
Segundo destino mais visitado depois da capital do Estado, ontem à noite o balneário foi invadido pela guitarra chorosa do blues em sua melhor forma, com Phil Guy e Celso Blues Boy. Começando a noite no Pátio Havana, Phil tentou, com frustração, pronunciar o nome da cidade e soltou um "Búxios", acolhido por muitas risadas da platéia. E esse ato foi só o começo da expressão de uma simpatia que envolveu a todos, aliada ao apuro técnico que conquistou tocando guitarra desde a infância e tocando com a banda de seu irmão, Buddy, que permitiu a ele se apresentar ao lado de nomes como Junior Wells e Jimmy Dawkins, até seu lançamento em carreira solo, com sua banda Phil Guy and The Chicago Machine.
A primeira música executada foi "Say what you mean", faixa que dá título a um de seus CDs, entrecortada por urros que confirmaram sua voz forte e uma mixagem do blues de Chicago, Louisiana e Mississipi. A faixa foi emendada por "For the last time", música de sua cidade natal, Louisiana. O show seguiu agitado até que veio uma homenagem a Muddy Waters e, no final, "Sweet home Chicago". O resultado? Contrariando a regra, dois bis, para a satisfação da platéia, com direito a sessão improvisada de autógrafos e fotos após a apresentação. Destaque para Ádrian, baterista cubano que entreteve a todos também nos vocais, antes de Phil subir ao palco.
Logo depois, na Chez Michou Crêperie, Celso Blues Boy arrebatou o público, que novamente lotou o estabelecimento. Com energia e carisma imbatíveis, tocou "Onze horas da manhã" e foi impossível ficar parado. Durante a apresentação, pude confirmar os boatos que vinha ouvindo: sim, Celso, do alto de uma carreira consolidada, tem seguidores fiéis até hoje, que pediam desesperadamente músicas durante os intervalos ou cantavam em coro cada refrão.
E o guitarrista não fugiu da tradição blueseira: displicente, fumou, tomou cerveja (seu microfone tinha um porta garrafa) e ainda subiu na caixa de som, para delírio dos seus fãs na primeira fila. Aí veio "Damas da noite", a clássica "Sempre brilhará" e "Expresso da noite", onde arranhou a guitarra em solos arrepiantes e pediu coro da platéia. Ao final, todos ficaram sem o bis, solicitado aos gritos, mas Celso deixou uma certeza: mantém-se como um verdadeiro showman.
Hoje à noite, logo mais, João Donato se apresenta no Pátio Havana. E a Chez Michou Crêperie terá a presença de Charlie Hunter e Leo Gandelman. Amanhã, a última noite do festival abrigará ainda a Big Time Orchestra e a baterista Cindy Blackman. Aguarde notícias sobre os últimos shows e um balanço do evento aqui, no Digestivo.
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Postado por
Marília Almeida
27/7/2007 às 20h30
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Conceição: enfim, nos cinemas
Estreou no circuito comercial o divertidíssimo e inteligente Conceição - Autor bom é autor morto, dirigido por um coletivo de ex-alunos da Universidade Federal Fluminense. Eu mesmo escrevi mais detalhadamente sobre o filme aqui no Digestivo, quando o assisti na Mostra de Cinema de Tiradentes em janeiro. Vale retornar ao texto neste momento tão especial a quem curte um tipo de cinema fora dos padrões e de grande coragem e ousadia. Leia mais aqui.
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Postado por
Marcelo Miranda
27/7/2007 às 13h56
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