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Segunda-feira,
21/10/2002
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Redação
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Alfabeto Literário
Último. Este é de autoria de Ubiratan Brasil [tá vendo, não falei?]. Sobre o livro do Loredano, um dos melhores traços da atualidade (para desenhar escritores, provavelmente imbatível), que lança hoje Alfabeto Literário, na Casa de Cultura Alvim (Av. Vieira Souto, 176, no Rio), a partir das 19h30.
O lançamento coincide com a festa que comemora o nascimento da editora Capivara, de Pedro e Bia Corrêa do Lago (mesma bat-hora, mesmo bat-local). Cariocas, não percam. Ela é uma simpatia, entrevista escrevinhadores no "Outras Palavras" (do canal Futura), e é filha de um dos meus heróis literários (será que ele vai?): Rubem Fonseca.
"'O que Loredano quer atingir com suas fisionomias fora de esquadro, modificação violenta da imagem do caricaturado, trazendo o de dentro para o de fora, como um Escher gozador da humanidade?', questiona Millôr Fernandes, no prefácio do livro. Ele mesmo, aliás, fornece a resposta: 'A explicação é evidente se fixamos detalhe essencial de sua biografia. Filho de um oficial de Cavalaria, Loredano desde cedo se sentiu obrigado a desmontar o ser humano.'
"Loredano não esconde o prazer com que escolhe os traços que vão compor o retrato de seus escritores preferidos. Clarice Lispector e Thomas Mann são dois desse seleto time, mas a reverência pode exercer uma força limitante em vez de inspiradora. É o caso de Machado de Assis: 'Meu respeito por ele é tamanho que nunca fiquei satisfeito com as caricaturas que já fiz nos últimos 20 anos', conta. 'Com as últimas, publicadas pelo Estado, acho que me aproximei do que seria o ideal.'"
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Julio Daio Borges
21/10/2002 às 18h27
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A alegria de não ensaiar
[Eu disse que hoje estava puro "Caderno2" (eu sei, você não está lendo na ordem...)]. Saiu um artigo sobre Wayne Shorter, traduzido do The Guardian. Shorter foi um dos young lions que acompanhou Miles Davis nos anos 60 [eu comprei a caixa, que não é fácil, mas que eu recomendo], dividindo a responsabilidade com Herbie Hancock, Ron Carter, George Coleman e Tony Williams. É quase uma entrevista; provocante e reveladora:
"'Em todos esses anos com Miles, nós nunca fizemos ensaios. Miles tinha uma forma de analisar uma coisa em seu conjunto, como um todo, e não medida por medida, e era capaz de ver a floresta sem olhar cada árvore. Eu me lembro de que, anos mais tarde, quando todos nós já estávamos bem mais avançados em nossas coisas, Miles me perguntou: 'Sabe aquela banda que nós tínhamos? Fizemos um grande avanço, não é verdade?' Ele gostava daquela banda.'
"'Musicalmente, eu não quero ir toda vez ao ginásio de esportes, digamos assim, onde a música se torna uma façanha olímpica', explica ele. 'Uma coisa é você celebrar o caráter expansivo da vida, outra coisa é sair por aí se gabando das piruetas que sabe fazer sem usar as mãos. É como alguém que quer ouvir Paganini o tempo todo e nunca o violino em si. Eu quero viver muitos personagens e muitas vidas na música.'
"'Wynton [Marsalis] é muito jovem, você sabe. Lembro-me de que, na década de 1970, quando as pessoas ouviam falar a respeito desse novo tocador de trompa, ele apareceu em minha casa de surpresa. Apresentou-se. Ele queria ouvir um pouco do álbum Plugged Nickel, de Davis (uma gravação ao vivo de 1965 feita pelo quinteto de Davis do qual Shorter fazia parte) e ele disse que queria me ver enquanto ouvia a música. Para mim, isso significa que, naquela época, ele estava em condições de entender a profundidade do que estava acontecendo. Algum tempo depois, entre a sua saída de minha casa e agora, esse progresso em sua compreensão entrou em férias.'"
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Julio Daio Borges
21/10/2002 às 18h21
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Vamos Banir os Aplausos
Este é justo o contrário (do de baixo). Lauro Machado Coelho sobre Glenn Gould. (Vocês se lembram: eu chamei a atenção para os 20 anos da morte, aqui, há duas semanas atrás. Mas a culpa não é do Lauro, que é hors concours, a culpa é do "pauteiro".)
O Lauro, aliás (de quem publiquei um Ensaio), lança mais um volume de sua História da Ópera. Trata-se da continuação de A Ópera Italiana (dos últimos 30 anos do século XIX em diante). Fico devendo mais informacoes, que pego com ele já já; enquanto isso, leiam o texto:
"Glenn Gould foi a Maria Callas do piano. La Divina tinha um timbre não exatamente bonito, uma voz que, a despeito da extensão prodigiosa, apresentava muitos problemas e, no entanto, o seu senso de teatro tornava inigualáveis as suas interpretações. Gould tinha o péssimo hábito de cantarolar enquanto tocava, suas escolhas de andamento e dinâmica eram muito estranhas, confessava abertamente a aversão ao uso do pedal e à técnica de execução legato. Mas, o que nas mãos de outro poderiam parecer meros maneirismos, nas dele eram intuições fulgurantes e reveladoras.
"'O concerto é um lugar de concessões mútuas do músico e do público, em que a criação é imolada no altar da representação', dizia Glenn Gould. A gravação, ao contrário, era um ato verdadeiramente criador, na medida em que ele podia controlar todas as suas fases, desde a colocação dos microfones até o estágio final de montagem. Isso fica muito claro em Vamos Banir os Aplausos!, o polêmico artigo que Gould publicou na revista Musical America de fevereiro de 1962, dois anos antes de se retirar da plataforma de concertos."
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Julio Daio Borges
21/10/2002 às 18h08
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Vivir para Contarla
Hoje estou "Caderno2". Para começar, as memórias de Gabriel García Márquez. Ainda sem tradução no Brasil (provavelmente pela Record no ano que vem): Vivir para Contarla. O texto é de Haroldo Ceravolo Sereza, aquele que se reveza com Ubiratan Brasil na capa do "Cultura". Pouco crítico, um tanto quanto "chapa-branca", mas as informações estão todas lá. Melhor frase (do escritor colombiano): "A vida não é a que alguém viveu, mas, sim, a que alguém recorda e como a recorda para contá-la."
"A autobiografia, que trata de sua infância e de sua adolescência, é, na verdade, uma grande busca de sentido para o estranho percurso que o menino da costa caribenha da Colômbia decidiu seguir, fugindo do sonho inicial dos pais de vê-lo formado médico ou, no mínimo, advogado.
"De sua infância à sua juventude, passando por noitadas e discussões, García Márquez vai, pouco a pouco, declarando suas preferências e convicções literárias. O primeiro autor que cita é William Faulkner. Conta suas dificuldades em ler Dom Quixote, de Cervantes, até que o pudesse compreender, para se apaixonar. Também passa por James Joyce (Ulisses), Thomas Mann (A Montanha Mágica) e por vários autores latino-americanos. Cita também autores de obras não ficcionais, como Freud."
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Julio Daio Borges
21/10/2002 às 17h53
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Solte o Timóteo
O nome (falso) é Ruy Goiaba, antes que eu me esqueça. Tinha-lhe escrito um prefácio elogioso, mas sofri censura prévia (uma espécie de blecaute; meu computador se apagou e coisa toda foi para o espaço). Há males que vêm para bem (dizem). Sorry, Goiabão. É certo também que seu talento dispensa comentários. Aqui vai uma lista de highlights:
Solte o Timóteo
Num dos primeiros posts do puragoiaba, ameacei (esse é o termo) expor minha teoria psicanalítica do brega. No fundo, ela é simples: por mais que nossa dieta cultural consista em filosofia alemã, filmes do Bergman e sonatas do Brahms, nosso id será sempre algo terrivelmente parecido com o Agnaldo Timóteo.
Bem, em nome da "civilização", é preciso policiar o Timóteo que há em nós. O que seria da nossa vida amorosa se aquela moça culta e fã do cinema iraniano nos pegasse cantando "quem ééé que não sooofre por aaalguééém"? Fim de jogo, aos cinco minutos do primeiro tempo. Nunca mais conseguiríamos nos reproduzir, e os dias da espécie humana sobre a Terra estariam contados. Para preservar a sociedade, alguma repressão é necessária.
Na indústria cultural, contudo, não há nada parecido com um superego. Pensem comigo: gravar um CD, por exemplo, é um processo complicado e caro, que tem várias etapas. Há alguém que compõe, alguém que canta, músicos que acompanham o cantor, arranjadores (ou desarranjadores), produtores, engenheiros de som etc. -até a fábrica que prensa e embala os CDs e as lojas que vendem. É um batalhão de gente envolvida.
Será possível que, em todo esse processo, não haja ninguém que caia em si e o interrompa ("PAREM TUDO! Isso é um lixo! A humanidade NÃO DEVE tomar conhecimento dessa música!")?
Não, não há. E, pensando bem, isso é bom. Reprimir demais a cafonice tornaria o mal-estar na civilização ainda mais agudo.
Portanto, não seja um brega enrustido: solte o Timóteo. Mas certifique-se de que ninguém esteja olhando.
Peréio é a cara do Cinema Brasileiro
Eu adoraria ter sido roteirista de filme nacional nos anos 70/80. Quem assiste ao Canal Brasil percebe: os caras só recebiam dinheiro da Embrafilme se renunciassem, no contrato, a toda pretensão de originalidade. Se alguém fizesse um estudo, constataria que 85% dos filmes dessa época têm pelo menos uma fala do tipo "eu te amo, porra!" (com o palavrão sabiamente empregado para dar um toque "transgressivo" à coisa).
Outro dia, eu e alguns amigos, zapeando, topamos com um desses filmes. Na cena, os personagens de Daniel Filho, Marieta Severo e Paulo César Peréio discutiam. Sem nunca ter visto o filme, eu previ: "Um deles vai mandar os outros à merda". Dez segundos depois, era exatamente isso o que o Daniel Filho fazia. Continuei com minhas previsões: "Agora, o Peréio vai encher a boca para dizer 'filho da puta'". Errei, mas apenas de personagem -quem fez isso foi a Marieta Severo. Para finalizar a cena, como diria o Zé Simão, só faltou mostrarem o Jofre Soares pelado.
Mas o Peréio, com aquela eterna cara de pudim de cachaça, é sensacional. Se eu fizer um filme, quero chamá-lo para uma cena só: ele olhando para a câmera e dizendo "porra". Será, em dois segundos, a síntese de cem anos de cinema nacional.
Misticismo Empresarial
Faz tempo que eu penso em comentar isso: deve haver poucas coisas tão espetacularmente babacas quanto esses "seminários internacionais" para executivos. Pelo menos, é o que se depreende da leitura de seus anúncios. Hoje, os jornais de São Paulo anunciam o seminário "The New Era of Competition", em que um sujeito com cara e sobrenome de indiano promete "estratégias revolucionárias para dominar o seu setor e antecipar as necessidades dos mercados e clientes". Clichês boçais, previsões infalíveis e chutes no saco da concorrência: que coisa meiga.
Não duvido da eficiência de uma tal estratégia, mas para arrancar dinheiro de trouxas engravatados terceiro-mundistas. Aliás, todos esses eventos costumam trazer "gurus" do marketing e da administração. Está certo: são todos uma espécie de Rhalah Rikota dos executivos. Estou até pensando em largar o blog, assumir um nome carregado de misticismo -digamos, Maharishi Mahavishnu Peghanabengha- e enriquecer com meus conselhos esotérico-empresariais. Fame and fortune, here I go...
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Julio Daio Borges
18/10/2002 às 12h46
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Intellectual tragedy
Philip Roth é certamente um dos maiores escritores vivos. Em 1999, registrei o impacto que me casou a leitura de American Pastoral (Pastoral Americana). Depois dele, vieram I Married a Communist (2000, não me ocorre neste momento a tradução em português), The Human Stain (2001, agora pela Companhia das Letras, como A Marca Humana) e The Dying Animal (2002, lançado logo após o 11 de setembro).
Graças a um providencial link do Pedro Dória, descobri uma recente entrevista de Roth para o jornal Independent. Nela, ele fala de Norman Mailer e do tal "romance americano", de sua trilogia, de Nova York e dos Estados Unidos pós-11 de setembro e, claro, da tragédia intelectual promovida pelo academicismo, pela ideologia, pelo politicamente correto e até pelas novas tecnologias. Ouvi-lo e lê-lo é ter renovadas algumas esperanças.
"To me, New York had become interesting again, because it had once again become a city in crisis, particularly in the weeks that followed [September 11], with everybody waiting for the next explosion. And then there was ground zero, which wasn't called that yet, which was drawing lots of visitors.
"Oh, everything revolts me! Not out of my superiority, and I hope not out of righteousness, but language is always a lie, especially public language. And that's why Norman Mailer and myself and others are trying to counter the untruths, the lies in our writing. Our writing scratches the surface and reveals what's underneath. [...] As regards Bush, the ventriloquists make him speak. His speeches are like an advertising campaign, but I don't know if it's going to work.
"[The realism, or naturalism, in your book is Zolaesque.] Good! But what you're talking about is an integral part of the rehashing in American literature. That's the power of the American novel. Take Norman Mailer, his book The Executioner's Song - a monument - or The Naked and the Dead, where he adopts the great American realist tradition. And without Faulkner and his contorted prose, how could we have imagined the South as it really is? The strength of the American novel is its enormous capacity to bear witness to the place and the moment.
"What I'm trying to bring home is the total absence of intellectual rigour. Students have no idea what it is to think. And what they are taught is absurd. In general, the problem boils down to the way English literature is taught. It's scandalous. Any desire to read that hasn't been destroyed by popular culture, television, films or computers, literature courses have taken care of! It's an intellectual tragedy. All these ideological methods represent is careerism and vanity. There are guys going into their first year at university, they haven't learnt anything in high school, don't even know when the Second World War was, and they get a professor who gives them Foucault to read!"
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Julio Daio Borges
17/10/2002 às 14h00
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Alien
Neste semana, estou para imagens. Essa é obra de HR Giger, criador do Alien (alguém ainda se lembra? alguém ainda se importa?).
Enfim, há mais neste link (meio difícil de encontrar porque em Flash). HR Giger também concede entrevista ao Le Monde (em francês, clique aqui para ler).
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Julio Daio Borges
17/10/2002 às 11h49
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Preto no Branco
Esse cara também é bom e é outro que eu, de vez em nunca, visito; mas visito. O nome é Allan Sieber e ele vive fazendo tiras auto-biográficas (como essa aí de cima).
Para dizer que não é blog (pois tudo é blog hoje em dia), vinga-se, como Nélson Rodrigues, em suas crônicas sobre o dia-a-dia. Tem um traço bastante underground e lembra os gibis que eu lia quando era um adolescente cheio de espinhas.
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Julio Daio Borges
15/10/2002 às 21h13
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Kenaum Veste
Eu queria indicar esse sujeito há um bom tempo. O blog dele é uma bobagem; mas na categoria "bobagem" é um dos mais divertidos.
Enfim, o sujeito tira fotos de si mesmo e, em vez de escrever um diário, publíca-as. É bastante criativo e, às vezes, até engraçado. As descrições das cenas são muito importantes (favor lê-las com atenção).
Talvez você nao ache a menor graça. Talvez só ache o sujeito infantil e até meio maricas. Volte, então, outro dia - e depois me diga.
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Julio Daio Borges
15/10/2002 às 20h55
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Blogs pensantes
"Este é um dos tais 'blogs pensantes', o q significa q vc deve colocar a mão no queixo quando estiver lendo e assumir que todo e qualquer erro de ortografia é proposital. e-mails e comentários estilo 'eu sou o senhor da verdade e vc está falando merda' também só vão fazer vc parecer ridículo. pq, como todos sabem, o senhor da verdade sou eu, e o meu hábito de me contradizer é só mais uma prova disso. Minhas opiniões às vezes mudam; não o fato de que eu estou sempre certo."
Mais do blogueiro-filósofo (aquele, velho conhecido de vocês; inspiração para as horas em que o Blog trava; como agora).
[E ele insiste em não mandar textos para o Digestivo Cultural...]
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Julio Daio Borges
15/10/2002 às 20h45
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