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Quarta-feira, 26/9/2007
Blog
Redação
 
Literatura e internet

Considero um total equívoco dizer que a internet faz com que os jovens escrevam de forma errada. No Brasil, por exemplo, saímos de uma era da televisão, que era totalmente ágrafa (vendo televisão, você não vê uma palavra escrita, só ouve). Nos anos 70 aos 90, a televisão foi o grande agente civilizador do Brasil. E a televisão é a cultura da oralidade. O advento da internet foi uma explosão brutal no sentido contrário - qualquer página que você abre na internet está cheia de coisas escritas. Ou seja, a palavra escrita voltou para o palco. As pessoas estão voltando a escrever - chats, e-mails, blogs, etc. A escrita passou a ser o mediador de toda a comunicação, de todo o processo de informação. A palavra escrita voltou com toda força. É um absurdo encarar a internet como um problema. É como se fôssemos acabar com a internet, proibi-la. Isso não tem sentido. Temos de pensar o que há de positivo em todo este fenômeno. Na minha experiência ao corrigir redações do vestibular da UFPR, em mais de 20 mil textos, não se encontra sequer uma abreviatura utilizada na comunicação na internet. O aluno não é burro. Ele sabe perfeitamente a diferença entre escrever num chat e uma redação para a escola. Ele sabe distinguir os registros. Então, nesse aspecto, eu sou otimista. Acho que a internet está exigindo que as pessoas tenham de escrever cada vez melhor. Elas têm de praticar. A escrita voltou a ser um valor social. E quando isso acontece, todas as forças começam a trabalhar nessa direção.

Cristovão Tezza, em entrevista, no último Rascunho.

[13 Comentário(s)]

Postado por Julio Daio Borges
26/9/2007 à 00h18

 
Você come escondidinho?

Ontem foi dia de aula de gastronomia brasileira no Mercado Municipal de São Paulo. O chef Carlos Ribeiro coordena bravamente o projeto de valorização da cozinha nacional, arrebanhando chefs voluntários de vários cantos do Brasil para dar as aulas. Agora que estamos perto do Dia das Crianças, a platéia contribuiu a título de ingresso com a doação de brinquedos para as crianças do Lar Novo Mundo.

Os temas nesta segunda-feira, com direito a degustação, foram a cozinha capixaba e a da Paraíba. Uma das coisas que eu mais gosto em aulas de culinária é de entrar na sala e já sentir o perfume dos pratos sendo preparados. No caso, era o cheiro da torta capixaba, prato servido na Semana Santa e feito com bacalhau desfiado, carne de siri e camarão, unidos por ovos batidos, cobertos com claras em neve e temperados com cebolinha e... coentro.

Ah, coentro, a minha diferença na cozinha. Mas, parecendo ler o pensamento da platéia paulista, o chef Carlos Ribeiro diz: "Sim, vai coentro. É preciso aprender a respeitar o coentro. Não, não dá para substituir por salsinha. Não fica o mesmo prato". Certo, farei um esforço. Acho que meu trauma com coentro vem da primeira vez que senti seu sabor, numa salada esdrúxula no refeitório da empresa onde trabalhava: acelga com coentro. Toneladas de coentro. Tinha gosto de sabão. Mas, isso é passado. Preciso lutar para superar o trauma. Após a execução e explicações da chef Mônica Meneghel, a torta vem para nossas mesas e é impecável. Sem querer fazer média, o coentro, colocado em proporções adequadas, cai muito bem.

A moça que divide a mesa comigo não prova. Ouço comentar que é estudante de gastronomia, mas não gosta de tomate, nem de cebola, nem de nenhum tipo de peixe ou fruto do mar. Faz lembrar uma estudante de jornalismo que conheci que não gostava de fazer entrevista. Em outras mesas, felizmente, o papo é outro. Bastante entusiasmo e ansiedade de ver as dúvidas serem resolvidas pela chef. Depois da torta, ela ensina a executar a autêntica moqueca capixaba que, diferentemente da baiana, não leva nem leite de côco, nem dendê, nem pimentão e deixa a pimenta à parte para que cada comensal decida a quantidade que quer colocar. Para finalizar, provamos o seu doce de laranja sidra em calda de açúcar.

O segundo convidado do dia foi Jackson K., proprietário do restaurante Vila Cariri, da Paraíba, que tem um site tão delicioso quanto o o prato que aprendemos. A receita apresentada foi carne de sol com cuscuz e creme de queijo de coalho. Cuscuz, é óbvio, do tipo nordestino, que é bem diferente do cuscuz paulista e do cuscuz da moda agora, o marroquino. Muito saboroso, temperado com manteiga de garrafa. De sobremesa, espetinho de queijo coalho e abacaxi com mel de engenho (melado de cana).

Falando em comida brasileira, outro dia minha sogra me perguntou se eu gostava de comer "escondidinho", que vem a ser creme de mandioca recheado com carne seca (ou com carnes de aves e peixes, já são muitas as variações existentes sobre o mesmo tema). Francisco, 4 anos, já com pós-graduação em semvergonhice, prontamente respondeu: "Eu gosto, vovó. Eu pego chocolate antes do almoço e como escondidinho da mamãe".

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Postado por Adriana Carvalho
25/9/2007 às 13h50

 
Cabelo solto

"Escrevo desde que amei pela primeira vez."

Paula Cajaty, no seu site, que linca pra nós.

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Postado por Julio Daio Borges
25/9/2007 à 00h30

 
Polícia para quem precisa...

Arrombaram minha casa. Tudo bem que eu ainda não moro lá. É ainda uma obra, mas em estágio avançado. Meio casa velha, meio casa nova. Uma reforma que desafia toda a minha valentia. E aí um vagabundo entrou lá esta madrugada. Pelos sinais deixados, parece-nos o mesmo malandro que já estivera lá antes. O maldito rouba sempre as mesmas coisas: fios e todas as ferramentas dos pedreiros. Espátulas, talhadeiras, colheres, pás, níveis, prumos, serrotes, arcos de serra, martelos, marretas e outras bugigangas mais. Somando tudo, quase 2/3 de salário mínimo. Mas o que me doeu mais foi o que ele fez com a janela. Com um caibro, sobra do telhado, arrancou as grades incorporadas à janela de aço, de boa marca (ao menos era o que dizia o vendedor). A janela inteira ficou estragada, perdida mesmo. Dois salários mínimos. Pelas contas do pedreiro, o malandro vende o ferro velho roubado por não mais do que trinta reais. Raiva barata. Maconha? Há quem diga que é isso. Detonou mais dois cadeados, empenou as lingüetas dos portões e torceu, com a mão, uma travessa de uma porta interna. Tudo para sair com uma sacola de ferramentas.

Chamei a polícia. A famosa polícia militar mineira. Queria um BO para constar nalgum banco de dados que houve arrombamento naquele bairro. A polícia veio. Mal desceram do carro e me perguntaram a que horas havia sido o "evento". Talvez no domingo, pelo menos foi o que apuramos junto aos vizinhos. Então o policial deu meia volta. Não podem entrar. Só registram ocorrência se for fato fresquinho, como jornal do dia. Se foi antes, então eu que me dirija à delegacia mais próxima. E ainda me deu, solicitamente, o endereço uns cinco bairros adiante. Não, obrigada, moço. Deixa pra lá. Bobagem ocupar vocês com isso, não é mesmo?

A vizinhança toda ouviu os barulhos das pancadas do caibro na janela novinha em folha. Ninguém fez nada. Disseram que pensaram que fôssemos nós mesmos, às 5h da manhã, batendo pino. Só se for. E em todas as casas há uma plaquinha escrito assim: "Residência monitorada. Vizinhança Protegida". Diz que a polícia acorda com os vizinhos que cada um tomará conta de si e de todos. Aquele discurso do comunitário, da coletividade resolvendo o problema da segurança pública e tal e coisa. Cada um pagou 8 reais para ratear o custo das plaquinhas. E também cada um comprou um apito. Quando rola coisa suspeita na rua, alguém apita e todo mundo apita. Mas quando ouviram o barulho na minha casa, interpretaram tudo de um jeito bem menos trabalhoso.

Mas aí a vizinhança desprotegeu e a polícia não quis lavrar o BO, naquela linguagem tão peculiar. E eu fui buscar o serralheiro da família para ver se ele me dava um diagnóstico da janela e me sugeria umas grades, umas lingüetas e uns cadeados mais potentes. Ele veio. Quando eu ia levá-lo para casa, cruzei na rua com uma viatura da mesma PM que não pôde me atender. Não aquela mesma que eu havia chamado, mas outra, também com uma dupla de tiras. Eu andava devagar pelas ruas do bairro onde nasci, onde meus avós vivem até hoje, há mais de meio século. E de repente, quando olhei melhor pelo retrovisor, a viatura estava atrás de mim, armada como uma aranha, com os policiais aos berros, apontando um revólver na minha cara. Eu custei a acreditar na cena. Enfiei a cabeça pela janela para ver se a cena era real. Com essa mania de telas pequenas, fiquei desconfiada do meu retrovisor. Tive que descer do carro com as mãos para cima, pedindo pelo amor de Deus por uma explicação. O serralheiro não desceu. Como é mais escuro do que eu, teve medo de apanhar. Depois que eu consegui que os tiras me dissessem qualquer coisa, pedi que o meu parceiro do crime descesse também. Com armas em riste, os PMs fizeram menção de revistá-lo, não a mim. Depois vieram com uma explicação sobre riscos, moças indefesas seqüestradas, suspeitas de assalto a senhoras que dirigem, etc. Aproveitei para perguntar se eles também não estavam dispostos a lavrar um BO de arrombamento, já que os colegas de mais cedo não puderam fazê-lo. Nem fizeram caso da minha pergunta. É isso aí. Vizinhança protegida. Tomara que funcione assim se um dia eu realmente estiver em perigo.

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Postado por Ana Elisa Ribeiro
24/9/2007 às 23h13

 
Brasileños

Tiene razón Diego Erlan en decir que resulta un poco absurdo que la música brasileña sea tan conocida y admirada en América Latina, pero desconozcamos casi todo de su literatura. Siempre la literatura brasileña ha sido el gran misterio de Latinoamérica; pero basta leer algunos autores para descubrir, como la punta de un iceberg, que esconden maravillas no descubiertas...

Iván Thays, no seu Moleskine Literario, lincando pra nós.

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Postado por Julio Daio Borges
24/9/2007 à 00h11

 
A contradição de João Gilberto

"Quando a gente fala de bossa nova, fala do João Gilberto, mas já existe uma contradição aí, porque bossa nova é João Gilberto, mas João Gilberto não é bossa nova." A frase do músico e jornalista Walter Garcia faz sentido. Associa-se muito o nome do violonista ao movimento musical da década de 60, mesmo que sua obra tenha mudado ao longo dos anos. Garcia escreveu sobre isso em sua tese de mestrado, que deu origem ao livro Bim Bom - A contradição sem conflitos de João Gilberto, onde explica a relação entre a obra do cantor e a convivência social, baseada na cordialidade do brasileiro.

Ele analisou tudo isso também no último dia 18, em uma das aulas do curso de MPB promovido pelo Espaço da Revista Cult. Dá início a palestra pedindo a todos que o questionem caso tenham alguma dúvida, pois, segundo ele, para explicar um artista que conhece bem a linguagem musical, é preciso explicar muitas coisas específicas de música. "Quero traduzir tudo na linguagem do dia-a-dia". E para facilitar a compreensão, o jornalista levou um violão para que os alunos pudessem ver e ouvir o que João Gilberto faz.

A contradição sem conflitos de João Gilberto a que Garcia se refere sintetiza o conceito da cordialidade do brasileiro, tema abordado por Sérgio Buarque de Hollanda em Raízes do Brasil. Para exemplificar essa idéia, ele começou mostrando aos alunos passo a passo (acorde a acorde) a origem da batida da bossa nova. O cantor baiano se inspirou na linha rítmica de dois instrumentos que se destacam nos batuques do samba, o surdo e o tamborim, e adaptou o ritmo à batida do violão. "Ele saiu da batida do samba, criou uma batida nova, mas nas variações que faz ao tocar, se aproximou de novo do samba. Então o que ele faz é samba e não é", conta.

Essa é apenas uma das contradições existentes em seu trabalho. No entanto, o jornalista acredita que essa contradição não apresenta conflitos, pois os elementos musicais não entram em choque um com outro. "Há uma linha tênue entre um ritmo e outro. Quando você percebe que ele está saindo da base que criou [com as variações da batida], ele volta à base novamente. É uma contradição que se dá harmoniosamente", conclui.

Outro aspecto contraditório do compositor é o momento do show, onde acontece o encontro entre público e ídolo. O fato de ele interpretar as canções num volume muito baixo causa um certo desconforto na platéia. "A cada movimento que as pessoas fazem durante o show interfere no silêncio da platéia e cria aquele pânico: todo mundo fica com medo de atrapalhar e as pessoas têm que ficar totalmente entregues a música dele." Quando o jornalista fala de contradição sem conflitos quer dizer que é uma ação sempre recoberta por uma harmonia, que faz com que tudo aquilo que possa gerar violência seja atenuado. "Tudo é recoberto por uma afetividade", analisa. Na opinião de Garcia, essa sensação de harmonia é superficial, pois no fundo há uma contenção de emoção. No caso de um show de João Gilberto, a contenção da voz, dos movimentos e da manifestação da emoção do público. "A obra dele é lírica e trabalha com emoção, ao mesmo tempo que causa um distanciamento dela", sintetiza.

Para ir além
Espaço da Revista Cult

[5 Comentário(s)]

Postado por Débora Costa e Silva
21/9/2007 às 14h18

 
(Santo) Ofício da Palavra

Francisco de Morais Mendes, escritor mineiro, que me dê licença para nomear este post. O encontro com ele e com vários outros escreventes na última quarta-feira rendeu bons "causos". O que disparou essa "festa" foi mais uma edição do Ofício da Palavra, evento em que se constrói a oportunidade do encontro entre escritores conhecidos e o público (leitor?).

De vezes passadas, estiveram presentes Cíntia Moscovich, Marçal Aquino, Milton Hatoum entre outros. Os mediadores costumam ser tão interessantes quanto os convidados. Para fazer o "meio de campo" entre autor e platéia, escolhe-se um outro escritor ou alguém que se divida entre esta tarefa e a de acadêmico. Foram mediadores Maria Esther Maciel, Sérgio Fantini, Letícia Malard e, desta vez, para estimular o diálogo, esteve Antônio Barreto. No linha de frente, o escritor paranaense Domingos Pellegrini. Na companhia deles e na regência do Ofício, todas as vezes, o jornalista e escritor José Eduardo Gonçalves, que muitas vezes é quem dá o tom da conversa.

Pellegrini falou de literatura, claro, mas também falou de política, o que parece ser traço peculiar ao escritor e à obra. Barreto levantou questões empolgadas e o público pôde perguntar, ao final da discussão. As questões da platéia giraram em torno do esperado: processo de criação, relação com os livros, indicação para o vestibular e novos escritores. Pellegrini respondeu com veemência. O processo de criação está, para ele, próximo daquele velho conhecido discurso do "dom", mas também é trabalho árduo. A indicação para o vestibular pode ser uma emboscada, mas ajuda a vender, claro. E a polêmica mesmo se deu quando o autor curitibano "falou mal" de Machado de Assis. A reação da platéia (formada por professores, principalmente) foi imediata. Um misto de mal-estar e de laivos vingativos. O "que o autor queria dizer" era que Machado não é exatamente a leitura mais branda para iniciar um jovem no mundo da literatura. Era isso. Mas a saraivada de adjetivos "curiosos" tornou a questão uma ofensa. "Coisa mais chata da literatura brasileira", "palavroso" e "entediante" foram só os meios-tons. O escritor Carlos Fialho, de passagem por BH, disse logo: "Machado de Assis deve ter dado três duplo twist carpados no túmulo". José Eduardo Gonçalves deu nova orientação para a conversa quando lavou a alma do público ao fazer a pergunta que todos queriam fazer: Mas para se ter um bom livro é necessário que os personagens tenham "bons" valores morais? Pellegrini havia condenado obras com personagens "ruins". Isso dá pano para manga. Quem se interessa por "mocinhos"? Só se forem todos o Fábio Assunção.

Os encontros com autores são ações louváveis. Os formatos não variam: o escritor e um mediador. No caso do Ofício da Palavra, um jornalista como regente e ritmista. Boa sacada.

A platéia comparece entusiasmada. As cadeiras todas ocupadas, num belíssimo cenário, que é a antiga Praça da Estação, que hoje abriga o Museu de Artes e Ofícios. Para quem freqüenta esse tipo de acontecimento, as questões da platéia ficam óbvias. As respostas dos artistas, também. Sugeri, a certa altura, a Pilar Fazito, que fizéssemos um banner com as Frequent Asked Questions (FAQ), para facilitar. Mas é tudo brincadeira. Bom mesmo é que o público (leitor, aspirante a escritor, curioso, vestibulando ou qualquer outra coisa) vá ao Ofício. Não é esta a discussão sobre acesso à informação, ao conhecimento e ao lazer?

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Postado por Ana Elisa Ribeiro
21/9/2007 às 10h44

 
Mint, Scoble, TechCrunch 40



Porque a Mint, sob o escrutínio de Robert Scoble, quer acabar com softwares como o Money e o Quicken, no possivelmente mais importante evento de Web 2.0, o TechCrunch 40...

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Postado por Julio Daio Borges
21/9/2007 à 00h28

 
Ser intelectual dói



Lembrança da Sarah K, cujo idéias despedaçadas linca pra nós.

[2 Comentário(s)]

Postado por Julio Daio Borges
20/9/2007 à 00h21

 
Estudo sobre a culpa

Enigmas da culpa (Objetiva, 2007, 248 págs.), de Moacyr Scliar, é o tipo de livro de filosofia que se pode ler na praia, ou na beira da piscina (claro, para quem é chegado a tais barbaridades). Um dos primeiros lançamentos da Coleção Filosófica da editora Objetiva, a obra aborda o tema da culpa nos meios político, filosófico, sociológico, psicológico e cultural. Não em profundidade, claro, para o que seria necessário fazer uma coleção paralela.

A leitura é leve e não apresenta obstáculos ao leigo. No entanto, não vulgariza o tema nem faz pouco da inteligência do leitor. Como não poderia deixar de ser (poderia?), os capítulos mais interessantes são aqueles dedicados à culpa na literatura, área em que esse sentimento sempre se fez perceber, e está evidente, além de em livros de escritores contemporâneos como Philip Roth, em clássicos como Macbeth e Crime e castigo. No romance de Dostoievski, como é sabido, o jovem Raskolnikov assassina uma velha usurária que ele considera "um piolho", inútil para a humanidade; o protagonista, num estranho paradoxo, sente-se culpado exatamente por não sentir remorso algum por seu crime.

E talvez ninguém mais lidou com o tema da culpa do que Franz Kafka. Que certa vez disse: "Meu princípio básico é este: nunca duvidar da culpa". E Kafka é fixado no assunto, escreve Scliar, por conta do caráter edipiano de sua relação com o pai, detalhada na Carta ao pai de 1919. Enquanto seu progenitor viveu, o escritor tentou resolver o conflito psicológico, simbólico, que permeou a relação dos dois, mas não conseguiu. Daí, a culpa - Scliar: "Não podemos nos revoltar contra uma pessoa que nos gerou sem pagar por isso um alto preço em termos de angústia".

Por falar em Kafka, assim como ele, o gaúcho Scliar, descendente de judeus, não é uma pessoa religiosa, mas um curioso e profundo conhecedor da história e da produção cultural dos judeus. Junte-se a isso o fato de que, como mesmo o mais ignorante em história sabe, a culpa tem um lugar central no meio judaico, e fatalmente esta religião estaria presente em cada linha do livro.

Mas o judaísmo não tem o privilégio da exclusividade, nem no campo da culpa nem no ensaio de Scliar. Nas três grandes religiões monoteístas, tem papel fundamental a "má culpa" identificada por Nietzsche (ou o Superego freudiano). E os locais que as religiões destinam aos pecadores são vários, ao longo da história. Há o Tártaro dos gregos e dos romanos, retratado por Virgílio na Eneida, a Gehena da literatura rabínica, e o nosso conhecido Sheol do Antigo Testamento, vulgo Inferno, descrito por Dante, John Milton e outros artistas - os demônios e seus tridentes que perfuram a carne dos pecadores, cercados pelo fogo eterno.

João Paulo II rebatizaria o Inferno "apenas" como um local de "tormento simbólico" para aqueles que se afastaram de Deus, mas a verdade é quem nem tudo evolui: se a Peste Negra de 1348 foi vista pelas massas como um castigo de Deus para os pecadores mundanos, ponto de vista que a Igreja inicialmente apoiou, em 2001, Jerry Falwell (1933-2007), popularíssimo pastor estadunidense, culpou "os pagãos, os aborteiros, as feministas, e os gays e lésbicas", "todos aqueles que tentaram secularizar a América", pelos ataques terroristas de 11 de Setembro, que teriam sido uma vingança divina.

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Postado por Daniel Lopes
19/9/2007 às 09h05

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