Numa entrevista para o portal G1, realizada no ano passado, o diretor Hector Babenco disse que andava lendo muitas novidades da literatura brasileira, mas nada que chamasse sua atenção como algumas obras de escritores espanhóis e argentinos. Na época, ele acabava de lançar O passado, filme baseado no romance do portenho Alan Pauls, e sabia bem do que estava falando.
Nascido em Buenos Aires, em 1959, Alan Pauls escreveu O passado em 2003. O livro vendeu bem e teve boa repercussão entre os críticos. Agora, seguindo a mesma linha intimista, História do pranto (Cosac Naify, 2008, 88 págs.), seu mais recente livro, é distribuído no Brasil pela editora Cosac Naify. Trata-se de uma aposta editorial ousada, dado o estilo próprio do autor ― um livro de palavras, associações, pensamentos e reflexões ― e, por isso mesmo, certeira.
História do pranto é um livro muito bem escrito e parte de um argumento bastante original. Mesclando um formato próprio ao romance psicológico e a novela política, Alan Pauls apresenta o testemunho vertiginoso de um garoto que acredita ser o Super-Homem para recuperar a história da esquerda argentina dos anos 70.
A transição da infância para a adolescência marca a revisão ideológico-sentimental de um menino bastante sensível, filho de pais divorciados da classe-média de Buenos Aires. "Um repugnante cantor de protesto, uma namorada chilena de direita, um oligarca torturado, um vizinho militar que talvez não seja o que parece, e um inusitado polvo no fundo de uma piscina..." são outros personagens e elementos que gravitam em torno do protagonista, criando um universo estranho e alvo das análises do garoto.
História do pranto é um livro que consolida Alan Pauls como um dos maiores escritores contemporâneos da Argentina. Dono de um estilo próprio, o autor tem um excelente domínio vocabular e sintático, capaz de traduzir todo o sentimento de inadequação do protagonista por meio de um intenso fluxo de consciência. Para chegar a esse resultado, ele se vale de períodos gigantescos, à la Proust, e justifica a preferência: "Gosto de trabalhar a frase como se fosse um transe, e não há dimensão mais narcótica na literatura que a sintaxe. Uma frase longa transforma a literatura numa arte ambiental: o leitor pode viver dentro da frase, como se estivesse num ecossistema raro, cheio de prazeres e perigos." Mas, diferentemente do autor francês, os períodos de Alan Pauls, permeados de apostos e orações explicativas, contêm uma visão crítica e irônica que transita entre o pessimismo adulto e a ingenuidade infantil, própria ao personagem.
O ritmo da narrativa é bastante ágil e esse é um efeito próprio ao recurso dos fluxos de consciência. Conseqüentemente, há um distanciamento entre o protagonista e o mundo exterior ali representado: às vezes, tem-se a impressão de estar dentro de uma bolha, ao lado do garoto, enquanto os outros personagens encenam um circo de horrores do lado de fora.
Observado à distância, o retrato do período da ditadura argentina é questionado pela criança, que não entende bem o que está acontecendo, mas sabe que não quer chorar a dor dos outros. Desse modo, tanto o cantor de protesto que volta do exílio anos mais tarde, quanto o suposto vizinho militar lhe despertam mais a revolta por ceder sua compaixão sem querer do que a compaixão em si.
Essa revolta por sentir-se obrigado a sofrer a dor de gerações anteriores também está presente nos contos do israelense Etgar Keret, que retrata a juventude judaica, farta com a herança da Shoah. Mais do que "revisionismo", essa postura parece querer encerrar de uma vez por todas o cultivo de tradições culturais e ideológicas nocivas ao surgimento do novo. Uns poderiam chamar essa atitude de anárquica, outros de alienada. Polêmica à parte, parece inaugurar um novo estilo literário que, talvez, marcará o início do século XXI.
A História do pranto, de Alan Pauls, não é para qualquer um. Trata-se de um livro exigente que requer um leitor atento, perseverante e crítico, alguém disposto a captar a ironia mordaz e os pontos de vista que fogem do senso comum, mas que, ainda assim, não tenha perdido a ternura. Em troca, oferece uma história muito bem narrada, reflexões edificantes e a visão de um novo movimento literário ― infelizmente, ainda ausente no Brasil.
Se você, assim como eu, pertence ao grupo de leitores que costuma seguir seus autores prediletos lendo tudo o que eles publicam, então pode ser que o americano Paul Auster também conste da sua lista de escritores que devem ser acompanhados de perto.
No Brasil foram traduzidos todos os seus doze livros de ficção, sendo o mais novo Homem no escuro (Companhia das Letras, 2008, 168 págs.), lançado antes aqui e depois em seu país de origem, atestando a ótima recepção do público leitor brasileiro em relação ao seu estilo.
No entanto, na crítica informal, no chamado "boca a boca", seu romance anterior Viagens no scriptorium, publicado no Brasil em 2007, não alcançou a expectativa desejada ― o que pode contribuir para que Homem no escuro seja recebido com uma certa dose de desconfiança. Mas vale a pena conferir.
Os que já são fãs poderão se reconciliar com o autor, e quem nunca leu será apresentado a um universo literário em que predominam várias camadas ficcionais de um modo direto, sem as barreiras do experimentalismo. Aliados a essa forma, em que uma história contém outras, estão temas da contemporaneidade como a arbitrariedade das guerras, o impacto do envelhecimento e da decrepitude humana numa sociedade em que a jovialidade, a saúde e a beleza se sobrepõem a tudo e a todos e, o mais importante, a combinação dessas características com a sensibilidade desejada para tocar o leitor. Lida a última palavra da última linha da última página, as histórias contidas ali reverberam para o nosso universo particular fazendo-nos pensar e sentir, tudo o que esperamos da boa literatura.
Numa dada madrugada, August Brill, crítico literário em fim de carreira, tenta driblar a insônia criando histórias para afugentar pensamentos insistentes de acontecimentos que prefere esquecer. Há um ano, desde que sofreu um grave acidente que quase o deixou inválido, Brill passou a morar com sua única filha, Miriam, e com sua neta Katya. Miriam está separada do marido e Katya voltou a morar com a mãe depois de seu namorado ter sido brutalmente assassinado no Iraque.
Numa determinada noite, enquanto o sono não vem, Brill dá continuidade à história de Owen Brick, um nova-iorquino que acorda em 2007 dentro de um buraco e ao sair se vê em plena Guerra de Secessão. Ocupando o cômodo de baixo da casa, Brill segue noite adentro rememorando seu passado, prosseguindo com a história de Brick e ainda permanece atento aos ruídos vindos dos cômodos de cima, tentando adivinhar se é Miriam ou Katya quem se levanta para usar o banheiro.
Muitas histórias vão surgindo durante o pensamento embaralhado de Brill nessa madrugada, cada uma retrata homens e mulheres que atravessam momentos de plena escuridão, quando se dá a perda da esperança e não há mais nada a fazer a não ser prosseguir com a vida.
Quando, nessa mesma madrugada, Brill tenta se distrair lendo o livro que Miriam está escrevendo, sobre a poetisa Rose Hawthorne, elege um verso dessa escritora do qual diz gostar imensamente: "Enquanto o mundo bizarro continua a girar".
Trata-se de uma espécie de síntese do pensamento de Brill, um reflexo do que ele vive nesse momento. Enquanto ele permanece praticamente inválido, o mundo continua aleatoriamente com suas atrocidades.
Mas algo acontece durante essa madrugada e Brill se vê impelido a sair da indiferença pela qual se sente tomado. No momento final do livro, durante a conversa entre avô e neta, são oferecidos ao leitor os pontos de ligação entre as histórias dos três moradores da casa e, depois de tantas revelações, cabe a cada leitor decidir se nos é dado a pensar e sentir com alguma esperança.
O Sebo do Bac e o blog Under Press convidam os twitteiros de plantão para o que eles chamam de primeiro concurso literário de microcontos "140 Letras".
Para participar, é preciso publicar no Twitter, até o próximo dia 20/09, quantos microcontos quiser, incluindo o identificador "#140″. Assim, cada microconto deverá ter, no máximo, 136 caracteres.
No dia 22 de setembro, cada um dos cinco jurados vai indicar cinco posts. O vencedor será divulgado no blog 140 Letras e no Twitter até o dia 30/09. Todas as regras do concurso estão no blog do concurso. Foram convidados cinco jurados twitteiros, ligados à literatura e ou ao jornalismo.
Tem uns cheiros que você nunca esquece. Tem aqueles que você só lembra quando sente, mas tem aqueles que você sente só de lembrar. Nessa categoria, tem o cheiro de uma árvore que tem muito em Perdizes e Higienópolis.
Quando eu voltei da Inglaterra, fui fazer cursinho no Anglo da Sergipe. Na frente do Anglo tem várias dessas árvores, na rua onde eu estacionava o carro (Dona Antônia de Queirós, perto da Augusta) também. Também tinha em frente ao boteco que íamos depois da aula e na frente do prédio do garoto que eu ficava.
Enfim, esse cheiro me remete às coisas dessas épocas como a morte do meu pai, o fim do primeiro namoro importante, a descoberta de uma grande amiga numa pessoa que eu conhecia há anos, a delícia da vida passando e você esperando qualquer coisa do futuro.
Entre o cursinho e a faculdade que realmente cursei e me formei, tem um gap de vida. Aqueles momentos que você realmente não lembra o que aconteceu. Sei que entrei numa faculdade, saí, fui pra praia. Sei lá. Devo ter bebido, fumado, saído, ficado com Deus e o mundo até "tomar jeito" e entrar na FAAP.
Descobri na FAAP que essa árvore também tinha por lá. Mas eu só sentia seu cheiro quando estudei de manhã. No terceiro semestre fui pra noite e o cheiro sumiu. Virou memória e lembrança. Virou esse cheiro que traz a sensação que tive hoje. Perto da MTV também tem essa árvore e, apesar de 5 anos trabalhando por aqui, jamais senti o cheiro, nem dei a ele qualquer associação ao trabalho.
Hoje eu senti. Aqui perto da TV mesmo. E lembrei daquele tempo. Que trampo era só uma parte de quem você era não tinha o poder de te abalar como tem hoje. Pensei que talvez, aos mais de 30, seja importante eu descobrir que árvore é essa e plantar uma bem pertinho de mim ― pra sentir aqueles dias de novo e, com eles, acalmar meus dias de hoje.
Não faz muito tempo. Só dois anos e meio. Quem poderia esquecer daquele fevereiro de 2006, quando o U2 desembarcava aqui para dois shows no Morumbi? Tenho certeza que ninguém esqueceu do calvário que já começava logo na compra dos ingressos. Sei que são lembranças desagradáveis, mas voltemos um pouco no tempo. Quem não era VIP tinha de ir ao supermercado (sim, inventaram essa) para comprar seu ingresso. O problema é que os locais de venda não suportavam a grande procura pelos ingressos e, para piorar, resolveram levar impressoras (que travavam toda hora) para rodá-los na hora da venda. Resultado: filas que contornavam bairros. O sol castigou impiedosamente quem encarou esse rali. Muito empurra-empurra, muita reclamação, muitas insolações. Depois de aproximadamente 10 horas, quem conseguiu chegar heroicamente ao guichê e comprar o ingresso já se questionava se tudo aquilo valia a pena. Tudo bem, era o U2, mas a pergunta não queria calar.
Dia do show. Lotado, como era de se esperar. O palco era muito baixo. Não se conseguia vê-lo ao longe, nem mesmo umas formiguinhas exóticas sacolejando o corpo na frente do telão. Nada. Periodicamente, surgiam alguns empurrões e solavancos que vinham sem nenhuma explicação. Depois saíram notícias de que eram pequenos arrastões em busca de celulares, relógios e o que mais estivesse a disposição dos bandidos. Este é o jeito que o público brasileiro é tratado em shows de grande porte. Um exemplo de organização, infra-estrutura e, principalmente, respeito a quem vai ao evento. Finalmente chegou uma grande oportunidade para enterrar essas lembranças amargas e assistir de fato àquele show que nos foi subtraído há dois anos e meio. Melhor: em U2 3D podemos agora entrar no palco e "participar" através da tela do cinema.
Filmado durante essa mesma época em que eles estiveram pela América do Sul, é possível ver algumas imagens das apresentações no Brasil, mas é basicamente o show da Argentina que passa no telão. O set é reduzido para 85 minutos. Com isso, os tediosos discursos de Bono pela paz mundial foram devidamente cortados da versão final, mas algumas músicas também tiveram de ficar de fora. Os movimentos de câmera são acrobáticos e fazem o espectador viajar por toda a estrutura do palco até a massa que lotava o estádio Monumental de Nuñez. Nenhum detalhe é perdido. Som e imagem perfeitos permitem enxergar cada peça da bateria de Larry Mullen, as cordas do baixo de Adam Clayton vibrando, cada modelo e marca da extensa coleção de guitarras de The Edge e até o suor na testa de Bono. Quando em close, os músicos literalmente se projetam para fora da tela. Quando a câmera está na platéia, a sensação é de estar no estádio e você se pergunta porque é o único que está ali, confortavelmente recostado.
Causou estranheza em alguns o fato de U2 3D ser apenas o show, sem que as músicas fossem entrecortadas por entrevistas ou imagens de bastidores. Parece que não entenderam a mensagem. A intenção não era fazer um documentário ― era para o espectador entrar no show e não sair mais de lá até que terminasse. Para os brasileiros essa escolha teve um significado especial. E quem for ao cinema poderá, enfim, exorcizar todos os demônios de 2006.