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Quarta-feira,
27/11/2002
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Redação
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Os letrados por Voltaire
Do Dicionário Filosófico, de Voltaire:
As pessoas de letras que mais serviços prestaram ao reduzido número de entes pensantes espalhados pelo mundo são os letrados isolados, os verdadeiros sábios encerrados nos seus gabinetes que não argumentaram nos bancos das universidades nem disseram as coisas pela metade nas academias; e esses têm sido quase todos perseguidos. A nossa miserável espécie é feita de tal maneira, que aqueles que marcham em caminhos já batidos atiram sempre pedras aos que ensinam um novo caminho.
A maior desgraça de um homem de letras não será talvez tornar-se objeto do ciúme dos confrades, do desprezo dos grandes do mundo; a sua maior desgraça é ser julgado por parvos.
Todos os homens públicos pagam tributo à maliguinidade, mas são pagos em dinheiro e em honras. O homem de letras paga igual tributo sem nada receber; desceu à arena por prazer, a si mesmo se condenou às feras.
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Jardel Dias Cavalcanti
27/11/2002 às 10h47
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Achados
Filho querido, a gente cruzou tantos mares, tantas pontes, até desertos. E eu vi você crescendo, aprendendo, no seu corpo e no seu espírito, você crescia e aprendia, caminhando ao meu lado. Às vezes você se afastava, eu chamava, você voltava, e assim seguimos. Foi aumentando a distância dessas suas idas para longe, e aumentando o tempo que você precisava para voltar. Que hoje já são bem grandes: você aprendeu a dizer "não", a conhecer a cidade, a entender as pessoas (mais ou menos...) e, mais que tudo, você É uma pessoa, inteira e separada das outras, e você SABE disso. Eu sinto que uma parte da minha tarefa, de amor e ensinamento, está pronta. Faltam outras, sempre vão faltar outras, e você nem sabe o tanto que eu gosto de pensar que você vai voltar sempre, por alguma coisa qualquer, para meu lado. Antes, certo, de partir de novo.
Há muito tempo, acho que sempre, eu precisei de você, tanto quanto você de mim. E, apesar de ser muito difícil para mim falar de mim mesma, das coisas realmente importantes e profundas, eu quis deixar claro para você, todo o tempo, que amar você nunca foi somente uma tarefa de "mãe" (tarefa, às vezes, muito chata, como você percebe agora, vendo seu irmão sendo o que você era).
Durante esses anos todos, você me deu energia e alegria, deu um sentido e um rumo à minha vida, que teria sido muito diferente, sem você. E de repente você cresceu, e eu já não posso fazer nem dizer as mesmas coisas de antes. E no entanto, há tantas outras coisas, que eu preciso dizer e você precisa ouvir: você agora ama uma mulher, pensa numa profissão, critica o mundo, e tem que se acomodar nele. Tudo isso me preocupa, porque antes eu determinava sua vida, hoje já não determino nem suas camisas. Eu tendo medo que você erre e sofra, hoje, tanto quanto tinha antes. (Você não me dá muitas razões para isso, mas eu continuo sentindo assim.) E o que posso fazer, além de continuar a lhe ensinar, e a continuar a me preocupar? O problema é que eu continuo sendo sua mãe, mas você é menos meu filho, no sentido da proteção, da orientação que você precisa menos.
A vida da gente, sempre tão corrida e cheia de tropeços, curvas e vitórias. Sempre foi, e ainda é assim. Você foi crescendo no meio do rodamoinho, e eu não sei se você percebeu que eu sempre estive atenta, por mais que estivesse ocupada, preocupada, angustiada com outras coisas. Talvez, agora, a gente tenha chegado a algum lugar, a algum tipo de porto. Mas, você vê, a vida continua mudando, tudo acontecendo, e é bom, não é? Eu quero é que a vida continue a correr, como o rio que foi até agora.
Eu quero ver você caminhando, chegando, descansando. Quero ver você criando alguma coisa, como você sempre fez. Quero que você aprenda a amar as mulheres, numa ou em várias. Diz o Reich que uma vida humana se baseia no trabalho, no amor e no conhecimento.
Eu também sigo caminhando, trabalhando, brigando e amando. A gente tem mil coisas a se dizer, por essa vida afora. Eu quero sua opinião, seu julgamento, para minhas loucuras e minhas certezas. Porque eu já sou meio velha, e às vezes os pés nos pesam muito. Ah! Mas eu vejo longe... e por isso é que posso lhe dizer umas tantas coisas, também.
Meu filho querido, obrigada por tudo que você me deu.
Que você seja feliz, muito feliz.
SUA MÃE
Carta de Irles Coutinho para Daniel, o filho do irmão do Henfil (aquele). Está em Achados, de Caique Botkay.
[Filho, mande para a sua mãe. Mãe, mande para o seu filho. Já!]
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Julio Daio Borges
27/11/2002 às 08h24
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Boates
Você, sábado à noite, deve se arrumar todo para a balada. Claro, não há nada melhor do que ficar pelo menos três horas fingindo que está se divertindo, quando o único objetivo é dar uma beiçada em alguém e/ou enfiar o pé na cana. Pois bem, eu aqui declaro as Leis Universais das Boates! Aqui você vai ver como evitar constrangimentos e situações embaraçosas dentro e fora de boates, conhecer a maldição milenar dos DJs e como tornar a sua noitada menos desagradável!
Capítulo 1 - Você VAI encontrar um carro importado pegando duas vagas gratuitamente na frente da boate, sem que o carro seja enorme nem nada. Um mala VAI pegar a menina que você olhou a noite inteira. VAI ter mais homens do que mulheres na boate, e com certeza esses homens vão estar todos suados. O DJ VAI tocar música baiana, funk e axé depois das três da manhã. A única cerveja disponível VAI ser Summerdraft. O banheiro VAI estar inutilizado, de tanto bêbado que vomitou na tampa do vaso.
Capítulo 2 - Você entra na boate e está tocando um som bacana, talvez um Jamiroquai, talvez um Fatboy Slim, mas é um som bacana de se dançar. Você até esqueçe que vai ter que fingir que está se divertindo, e a boate começa a encher. Você nota, de leve, que a qualidade do som piorou, aquelas ruinzinhas estão tocando de vez em quando. Olhe no relógio. São duas horas da madrugada, certo? Pois é. Os DJs de Boate tem a seguinte maldição: "Após a meia-noite, piorarás o som até que todas as mulheres tenham ido embora. Então momentâneamente melhorarás o som, e então piorarás mais ainda."
Capítulo 3 - Depois de aguentar todo o tipo de humilhação, você vai querer gozar da sua consumação. Chega no bar e diz: "Me vê uma cerva!" O homem vestido de crupiê então vai lhe dar uma Summerdraft. A sua reação deve ser gritar, "isso aqui não é cerva!", colocar a cerva num copo e jogar no homem. E isso deve ser feito ASSIM QUE ELE LHE DER A CERVEJA!
Situação diferente. Você chega no bar e diz: "Me vê um uísque." O cara então vai lhe dar um Teacher's, ou um Passport, ou um Natu Nobilis, ou quem sabe, com sorte, um Johnnie Walker Red Label. O que você deve fazer é exclamar em altos brados, "isso não é uísque! Isso é xixi!", pegar a dose e jogar na cara de um segurança. E isso deve ser feito ASSIM QUE ELE LHE DER O UÍSQUE!
Capítulo Final - Você já levou porrada de mala, já derrubaram cerveja naquela camisa que sua mãe lhe deu, sua paquera foi roubada e você nem encher a cara conseguiu, de tão ruim que era o trago. "O que mais pode dar errado?", é o que você deve pensar ao sair de uma boate. Nunca é tarde demais para encontrar seu toca-cd (comprado ontem) roubado, seu carro arrombado ou mesmo roubado. Para os perdidos na noite, a criatividade é o limite. Você acha que se ferrou? Espera o teu carona dar aquela vomitada no banco do passageiro! Ainda acha que a noite foi derrota? Vá pra lanchonete e peça maionese extra no hambúrguer, e coma dentro do carro. Lembre-se, "tudo pode piorar mais", e tudo é uma questão de perspectiva.
Coturno, o cruel, em Brasília (mas bem que poderia ser a capital paulista)
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Julio Daio Borges
26/11/2002 às 21h14
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Prossiga
Com prazer informamos que o seu site foi incluído na BIBLIOTECA VIRTUAL DE
ESTUDOS CULTURAIS.
A BIBLIOTECA VIRTUAL DE ESTUDOS CULTURAIS é um repositório na Internet de
informações úteis para pesquisadores da área de Estudos Culturais. Nela
se encontram informações detalhadas sobre reuniões científicas e
culturais; artigos; periódicos impressos, eletrônicos e online;
bibliotecas convencionais e virtuais; associações científicas e
instituições de pesquisa; editoras e livrarias; agências de apoio e
financiamento a pesquisa; bibliografias; chats; listas de discussão e
muito mais...
Mais de 3.000 sites com dados organizados, comentados e constantemente
atualizados que reunidos compõem uma ferramenta essencial de apoio a
universidades, a sociedade civil e a diversas atividades culturais.
A BIBLIOTECA VIRTUAL DE ESTUDOS CULTURAIS foi concebida pela iniciativa do
Programa Prossiga, do CNPq, e é desenvolvida pelo PACC (Programa Avançado
de Cultura Contemporânea) do CFCH/UFRJ.
A própria, agora há pouco, por e-mail
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Julio Daio Borges
26/11/2002 às 16h09
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Contra o Brasil
Minha opinião sobre Diogo Mainardi sempre foi vacilante. Eu acho que ele escreve, de vez em quando, colunas brilhantes. E que, vez ou outra, escorrega quase para a criancice. Mas concluí, recentemente, que mesmo essa sua eventual babaquice é divertida - e que, no fim das contas, é exatamente assim que é preciso escrever para uma revista como a Veja. Ou então sua coluna seria confundida com outros textos da revista, que são séria e involuntariamente cômicos. É engraçado imaginar o ódio que, com aquele estilo fácil, Diogo desperta nos idiotas, sempre preparados para repetir xingamentos nervosos. Enquanto ele, tranqüilo e discreto, de seu apartamento em Veneza, planeja o ataque certeiro da próxima semana.
Acho, porém, agora, enquanto leio Contra o Brasil, emprestado pelo Julio, que o que Diogo escreve de melhor talvez não seja sua coluna. Mas provavelmente seus livros. Pimenta Bueno, o protagonista de Contra o Brasil, acumulou uma extraordinária coleção de insultos ao país - decoradas, o que é bacana, de páginas de escritores e ilustres que visitaram o país: entre outros, Darwin, Camus, Kipling, Lévi-Strauss, Eça de Queiroz.
Pimenta Bueno: O Brasil é um terreno estéril! Aqui não brotam idéias! O Brasil murcha a imaginação, resseca o estímulo intelectual, definha o raciocínio! O país inteiro vale menos do que o Estudo número 3, opus 10, de Chopin!"
E mais adiante:
Pimenta Bueno: Pode haver chatice mais degradante que a nossa?
Azor: Chatice?
Pimenta Bueno: Chatice! Apesar de permanecer apenas duas semanas no Brasil, perdido num vilarejo na fronteira com a Guiana, Evelyn Waugh traçou a mais perfeita síntese da sociedade brasileira... Quer saber qual é?
Azor: Não.
Pimenta Bueno: "Chatice degradante; conversas insuportáveis e nada para ler."
Evelyn Waugh não conheceu Diogo Mainardi.
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Eduardo Carvalho
24/11/2002 às 22h04
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Lulalogias
Não faz nem um mês que Lula foi eleito e até agora houve pouca novidade, mas o período está sendo um prato Fome Zero para a análise simbólica. Na verdade, desde a campanha já se podia ter discutido o assunto, porque ali ficou muito claro o que o PT e Duda Mendonça pretendiam. Está certo que as alternativas ajudaram: Roseana teve de renunciar, Ciro morreu pela boca, Serra pareceu não conseguir empolgar nem a si mesmo. Mas Lula conseguiu romper com seu tradicional índice de rejeição e ir além do desempenho do próprio PT, apesar do crescimento do partido no Congresso. E isso não pode ser tido como obra simples da moderação política, ainda que nossos articulistas insistam em ler resultados eleitorais como processos estritamente racionais.
O que acho que Lula sempre teve - o que dá base ao seu carisma, assim chamado - é a superposição de indignação e ternura. Ele parece ser um sujeito realmente preocupado com a justiça social e ao mesmo tempo é informal, amistoso, boa praça; tem a barba e a voz grossa do ativista, mas o jeito naïf do homem cordial; o discurso clama por mudança, mas o olhar pede "uma chance". A maturidade não só tem lhe ajudado a ser mais responsável, mas também lhe acrescentou cabelos grisalhos que chamam consideração: o radicalismo, dizem esses fios brancos, é coisa do passado, e isto aumenta a dignidade desse passado. O que antes parecia rebeldia agora parece encarnar o tal grito dos excluídos, misturado ao alarme da classe média. O que antes parecia afetuosidade da pessoa agora parece um recurso do político, a batuta negociadora, apaziguadora. Para um país envergonhado de sua realidade e orgulhoso de sua sentimentalidade, que nos últimos anos tem falado mais e mais sobre as urgências solidárias, nada poderia soar mais adequado.
Daniel Piza em "Lulalogias"
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Julio Daio Borges
24/11/2002 às 15h02
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As Ilusões Armadas
Elio Gaspari passou 18 anos preparando um total de cinco volumes sobre a mais recente ditadura militar brasileira, dois dos quais acabam de ser publicados. Cada nova geração precisa ser lembrada desse triste capítulo da história da nação. O autor discorre sobre esse período com eloqüência, ironia e paixão.
Aqueles que já eram adultos durante os 21 anos de vigência da ditadura militar têm sua própria versão da história. Os que chegaram à idade adulta posteriormente depararam decerto com outras versões do ocorrido naqueles anos. Contudo, a versão de Elio Gaspari é sem favor nenhum a mais profunda, a mais rica e a mais definitiva de todas.
O posicionamento do autor não deixa margem a dúvidas. Ele é um crítico incansável do autoritarismo que se instalou no País em 1964. Sua munição vem da pesquisa onívora por ele empreendida, inclusive em materiais de arquivo jamais publicados, entrevistas e informações pessoais, o que certamente proporcionará ao leitor mais exigente a mais completa coleção de documentos já reunida sobre a ditadura.
Elio Gaspari faz história como quem escreve um romance. Os retratos que constrói ao longo do texto são memoráveis.
Thomas E. Skidmore sobre As Ilusões Armadas, de Elio Gaspari, no Estadão
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Julio Daio Borges
24/11/2002 às 14h55
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O webjornalismo agradece
É possível encontrar mais características do webjornalismo sendo praticadas em sites de jornalismo independente, que nos grandes portais da imprensa oficial. É o caso por exemplo do Digestivo Cultural. Inaugurado há dois anos, o site inova no aproveitamento de texto dos leitores, mantém memória de fácil consulta e desenvolve todo material em hipertexto. O internauta encontra no Digestivo uma estrutura que otimiza o conteúdo fazendo circular a informação por diversas correlações possíveis.
Mismana Militão, no site da Faculdade de Comunicação da UFBA
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Julio Daio Borges
22/11/2002 às 14h01
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Crimes sem texto
Tudo se passa como se essas jovens [Susan Smith e Suzane Louise], até agora ordeiras e nada excepcionais, mostrassem que nem sempre a lógica do chamado desenvolvimento econômico, do mercado, da riqueza material, seja o remédio para tudo. A barbaridade indizível do filicídio, do matricídio e do parricídio desnudam a impotência das fórmulas feitas e das receitas coletivas. Esses crimes sem texto revelam que há muito mais entre a sociedade e os homens do que fazem crer as nossas bem alinhavadas e hipercorretas teorias políticas e sociais.
Durante séculos, as sociedades tentam escapar da infinita crueldade de que são capazes pela adoção de receitas ideológicas que, uma vez estabelecidas e aplicadas, resolveriam todos os problemas, inibindo, corrigindo ou explicando as mazelas humanas. De fato, a consciência da injustiça social, da discriminação, da exploração do trabalho e da intolerância política (que só admite elogiar um lado, condenando o outro ao erro, pecado ou ao crime político), tem criado um mundo melhor e mais aberto. Mas a condição básica para a sua manutenção, o elemento fundamental para que as ideologias libertadoras venham a exercer esse papel, jaz precisamente na admissão de seus limites e, no caso em pauta, na consciência de sua incapacidade para explicar esses gestos tão perturbadores quanto são expressões veementes do lado obscuro, criminoso e demoníaco que toda convivência humana tem a capacidade de engendrar.
Roberto da Matta em "Em torno dos crimes sem texto"
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Julio Daio Borges
22/11/2002 às 11h11
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A social-democracia e o Brasil
A idéia de social-democracia (SD) desembarcou no Brasil no fim dos anos 80 e foi apropriada em maior medida pelo PSDB, mas também, na época, pelo PDT e mesmo pelo PT. O fato é que o PSDB, um "partido de quadros" (ou seja, cheio de intelectuais de sotaque europeu e de políticos sem muito voto, com honrosas exceções), depois de um arrastado quarto lugar nas eleições de 1989, chegou ao poder de forma avassaladora e inesperada nas eleições de 1994.
Com efeito, o mundo real foi um choque indelével para os tucanos, que chegaram ao poder como os franceses no Novo Mundo, no século XVI, e aqui descobriram a "cunhadagem", a indolência dos nativos, e também dos colonos, mais chegados a uma esperteza que ao trabalho. Tudo diferente do que se esperava.
Para quem tinha uma embocadura nacionalista, foi igualmente chocante perceber que o aparato protecionista havia degenerado em uma imensa máquina de geração de privilégios e de "rendas de monopólio", o mesmo valendo para a política industrial. Para quem imaginava criar parcerias européias, tripartites e concertadas, entre setor público e empresas privadas, o que se via eram conluios espúrios, com vistas a pilhar o Estado, centenas de maneiras de se apropriar da regulação pública para benefício privado.
Também melancólico era ver a maioria das estatais quebrada, muitas consumidas pelo corporativismo ou coisa pior. Para alguém de esquerda, que historicamente não gosta de banco, nada poderia ser pior que ver quebrados muitos, ou quase todos, os bancos públicos e muitos dos maiores bancos privados. E ter de montar operações para sanear o sistema financeiro a fim de proteger o depositante, que não tem culpa de nada, e ver-se, por fim, acusado de governar para os bancos.
Enquanto não era governo, e não tinha de resolver os problemas do mundo real, [a social-democracia] tinha tantas dúvidas que o "muro", não o de Berlim, mas o da hesitação, se tornou sua maldição. O poder levou o PSDB do muro à vidraça. Já o PT, mais socialista [...], em vez de lidar com suas dúvidas usando um muro, desenvolveu a habilidade de atirar pedras. E o fez com tamanha competência que chegou ao poder. A partir de agora deverá levar muitos sustos, esquecer seu passado todo dia um pouco e amadurecer.
Gustavo Franco em "Social-democracia e Brasil real"
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Julio Daio Borges
22/11/2002 às 10h59
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