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Quinta-feira, 5/12/2002
Blog
Redação
 
H. L. Mencken na New Yorker

H. L. Mencken

A New Yorker está se movimentando em uma homenagem ao mais influente jornalista norte-americano do século XX, Henry Louis Menken, com um texto sobre e outro do próprio Mencken, no arquivo da revista. Saiu agora, nos Estados Unidos, uma nova biografia do homem que escrevia seus artigos com a mesma precisão e senso de humor que penteava seu cabelo: The Skeptic: A Life of H. L. Mencken, assinada por Terry Teachout.

Ainda não li inteiro o texto de Joan Acocella, porque estou esperando o meu exemplar chegar - mas li, há umas duas semanas, a resenha da The Economist. Parece que Teachout consegui ler Mencken com o cuidado e respeito que ele merece, evitando conclusões bobas e tortas, às quais mesmo acadêmicos menckenianos são seduzidos. Interpretações sobre suas posições particulares caem no absurdo, quando, baseadas em extravagâncias e estereótipos que Mencken propositalmente encenava, acusam-no de anti-semita, racista, anti-democrático, ou qualquer outra baboseira do gênero - como fez, por exemplo, Charles Fecher, que organizou e prefaciou seu diário.

A prosa de Mencken está muito além de considerações politicamente corretas, e ele muito provavelmente desaprovaria e dispensaria, com sua habitual deselegância, uma Escola Menckeniana - assim como, sempre quando pôde, ridicularizou a produção acadêmica norte-americana. Uma linha acadêmica menckeniana e politicamente correta, então, é tudo que ele não merece. Espero que Teachout tenha tirado Mencken dessa.

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Postado por Eduardo Carvalho
5/12/2002 às 23h12

 
Literatura e vida literária

legenda

Literatura e vida literária. Diário e confissões de Álvaro Lins. Faço minha, por conveniência, a admissão de Wilson Martins: "Eu não sei até que ponto parecerá snob esta declaração, mas a verdade é que eu me encontro várias vezes no pensamento de Álvaro Lins." Como, por exemplo:

Ah, a tristeza de saber, no fim da leitura de certos livros, que nunca mais os leremos pela primeira vez, que não se repetirá jamais a sensação da primeira leitura, que não teremos renovada a felicidade de ignora-los num dia e conhecê-los no dia seguinte!

Tenho a impressão de que, ao exigir-se de um personagem de um romance que ele seja lógico, também se exige que ele seja medíocre.

Penso hoje que tudo nos escapa sem sentido e sem conseqüências. Não sabemos nada da vida; a vida foge de nós a cada dia que passa.

Eu sou talvez o crítico que, nos seus artigos, menos oferece frases de elogios para propaganda na capa dos livros...

O conceito de elite em literatura não implica qualquer privilégio odioso. Não é de uma classe; e nada tem de vitalício ou hereditário. É uma situação que se conquista e se retém pelo espírito e pelos dons pessoais.

Não sei se será um felicidade ou uma desgraça que neste mundo os pobres de espírito e os idiotas estejam sempre em maioria. E a verdade é que ninguém prescinde dessa maioria para a criação de qualquer coisa de ordem superior.

Continuo no meu propósito de não dar respostas literárias senão a escritores que tenham verdadeira categoria intelectual. Para os outros, conservo um silencio de invariável desprezo.

Artigo de Rubem Braga sobre Oswald de Andrade. Poucas vezes tenho lido coisa tão estúpida.

Vou compreendendo, com alguma tristeza, que o gosto das idéias e o exercício da literatura não me permitiram, na época própria, a sensação de ter vinte anos. Sinto-me como alguém cujo pensamento envelheceu há muito tempo.

Hoje, sem nenhum motivo, uma grande sensação de tristeza, de vazio, de inutilidade de todas as coisas e da própria vida.

Nada existe com um caráter mais parricida do que a rotina. Ela mata a realidade mesma que a criou.

Há certos inimigos que se acham sempre na minha gratidão. Como eles têm contribuído para o êxito e autoridade da minha crítica!

F. é otimista sem ser imbecil. E como isto é raro!

Horror ao sujo: no interior como no exterior das pessoas.

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Postado por Eduardo Carvalho
4/12/2002 às 17h11

 
Conversa de pai e filha

- Pai, eu tenho um namorado.

Pai, que ouve isto da filha mocinha, pela primeira vez, sente uma dor muito grande. Todo sangue lhe sobe à cabeça, e o chão do mundo roda sob seus pés. Ele pensava, até então, que só a filha dos outros tinha namorado. A sua tem, também. Um namorado presunçosamente homem, sem coração e sem ternura. Um rapazola, banal, que dominará sua filha. Que a beijará no cinema e lhe sentirá o corpo, no enleio da dança. Que lhe fará ciúmes de lágrimas e revolta; pior ainda, de submissão, enganando-a com outras mocinhas. Que, quando sentir os seus ciúmes, com toda certeza, lhe dirá o nome feio e, possivelmente, lhe torcerá o braço. E ela chorará, porque o braço lhe doerá. Mas ela o perdoará no mesmo momento ou, quem sabe, não chegará, sequer, a odiá-lo. E lhe dirá, com o braço doendo ainda: "Gosto de você, mais que de tudo, só de você." Mais que de tudo e mais que dele, o pai, que nunca lhe torceu o braço. Só de você é não gostar dele, o pai. E pensará, o pai, que esse porcaria de rapaz fará a filha mocinha beber whisky, e ela, que é mocinha, ficará tonta, com o estômago às voltas. Mas terá que sorrir. E tudo o que conseguir dela será, somente, para contar aos amigos, com quem permuta as gabolices sobre suas namoradas. Ah! O pai se toma da imensa vontade de abraçar-se à filha mocinha e pedir-lhe que não seja de ninguém. De abraçá-la e rogar a Deus que os mate, aos dois, assim, abraçados, ali mesmo, antes que torçam o bracinho da filha. Como é absurda e egoisticamente irracional amor de pai! Mais que ódio de fera. Ele sabe disso e se sente um coitado. Embora sem evitar que todos esses medos, iras e zelos passem por sua cabeça, tem que saber que sua filha é igual à filha dos outros; e, como a filha dos outros, será beijada na boca. Ele, o pai, beijou a filha dos outros. Disse-lhe, com ciúme, o nome feio. E torceu-lhe o braço, até doer. Nunca pensou que sua namorada fosse filha de ninguém. Ele, o pai, humanamente lamentável, lamentavelmente humano. Ele, o pai, tem, agora, que olhar a filha com o maior de todos os carinhos e sorrir-lhe um sorriso completo de bem-querer, para que ela, em nenhum momento, sinta que está sendo perdoada. Protegida, sim. Amada, muito mais. E, quando ela repetir que tem um namorado, dizer-lhe apenas:

- Queira bem a ele, minha filha.

Antônio Maria, em "Conversa de pai e filha", parte do recém-lançado Benditas sejam as moças - As Crônicas de Antônio Maria

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Postado por Julio Daio Borges
4/12/2002 às 12h07

 
Auto-resumo

As atribulações da vida contemporânea muitas vezes dificultam o acesso aos prazeres da reflexão intelectual. O tempo é escasso, as obrigações se multiplicam, e fruir sossegadamente um bom livro torna-se cada vez mais complicado. Mas a tecnologia está aí para ajudar no progresso humano: hoje, com a ferramenta do auto-resumo, qualquer computador doméstico já é capaz de condensar imensas obras, ajustando-as ao tamanho que se desejar. Com alguns cliques no menu "Ferramentas" de seu Microsoft Word, extensos romances e tratados teóricos tornam-se textos compactos que garantem a síntese perfeita do pensamento de qualquer autor.

Como um espremedor de laranja, o auto-resumo conserva a essência da obra, possibilitando que o homem comum possa abastecer-se de cultura sem com isso perder o emprego ou o chope com os amigos. Para demonstrar as maravilhas desse sistema, resolvemos aplicá-lo a um dos grandes clássicos do romance brasileiro: Dom Casmurro, de Machado de Assis, escrito numa época em que a concisão ainda não era um dos valores máximos da literatura.

Após um rápido download na internet, o livro de Machado foi reduzido a um conjunto de dez sentenças, o que mostra todo o poder de síntese dessa ferramenta literária. Note-se como as tensões da trama se conservam, o drama de Bentinho, a desfaçatez de Capitu, o final carregado de interrogações e suspeitas. O leitor entra em contato com os pontos fundamentais dessa obra-prima, engrandecendo o espírito e otimizando os afazeres cotidianos:

- Que é?
- Que é? - Que é?
é que... Não? - Não! - Não! - Que é?
- Que é?
- De que sexo?

Auto-resumo, parte integrante do caderno "menas!", da revista Ácaro

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Postado por Julio Daio Borges
4/12/2002 às 11h38

 
Comentador de Forum

Estava compondo material para o próximo Editorial, quando me deparei com um negócio engraçado. Extensível, portanto, ao Blog.

Trata-se da lista dos "10 tipos de Comentador de Forum". Garanto que você vai se apaixonar.

Tem desde o Amante Rejeitado até o Dono da Bola. Desde o Consertador do Mundo até o Antropólogo. Passando pelo Blogueiro Anônimo, pelo Me Engana Que Eu Gosto, pelo Sadô Masô e pelo Poliana. Tem ainda o Super Amigo e a Celebridade de Pára-quedas.

Bom, chega de blablablá. Leia. É o que importa.

[Se não servir, a carapuça, eu prometo que capricho mais na próxima.]

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Postado por Julio Daio Borges
2/12/2002 às 19h06

 
Anomailas, por Gauguin

"De todos os animais, o homem certamente é o que tem menos lógica, o que menos sabe o que quer e também o que mais comete extravagâncias. A que isso se deve senão ao fato de saber raciocinar melhor? Isso daria muito o que pensar sobre a importância do raciocínio e da instrução." (Gauguin, "Antes e Depois"- ed. L&PM, p.86)

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Postado por Jardel Dias Cavalcanti
2/12/2002 às 10h41

 
A importância de ser Fiel

No deserto em que vivemos, uma montagem como A importância de ser Fiel, em cartaz no Sesc Vila Mariana, é indispensável. Há quem diga ser a obra-prima de Oscar Wilde ("Ah, é do Oscar Wilde", comentou o sujeito atrás de mim, depois de anunciarem pelo microfone - "Dizem que ele é bom"). Provavelmente há muito tempo o público paulistano não era tratado com tanto respeito. Só o que pode incomodar é a preferência por Fiel em vez de Prudente, que é mais adequado (mas não tem a mesma insinuação à baixaria, fundamental para atrair o público "de alto nível"). A tradução, como dizem, é mesmo exata, com ritmo e graça. E não há nenhuma referência a banalidades pop, o que é muito comum. Nenhuma adaptação ao estilo de vida contemporâneo, o que - apesar de irresistível para muitos diretores - é absolutamente desnecessário. Os atores são competentes. E, o que é incrível, conseguem fazer o público rir, do começo ao fim, sem deixar escapar um único palavrão. Fiquei, confesso, chocado. Não sabia que isso era possível, na mesma cidade em que Cócegas faz tanto sucesso.

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Postado por Eduardo Carvalho
1/12/2002 às 09h52

 
perversão sexual

"As chamadas perversões sexuais não são enfermidades sexuais, mas antes soluções sexuais experimentais, mergulhos socialmente isolados nas águas paradas do amor - mas continuam a ser amor.". (David Cooper- "Gramática da vida" - edit. presença, Lisboa, p. 66.)

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Postado por Jardel Dias Cavalcanti
30/11/2002 às 13h58

 
Fatwa

Tendo descoberto agora que Camões chamou Maomé de "torpe" no Canto I dos "Lusíadas", as autoridades islâmicas da Nigéria ofereceram um prêmio de US$1.000.000 (um milhão de dólares) pela cabeça do poeta português, e US$300.000 (trezentos mil dólares) pelos dois olhos. "O Alcorão afirma claramente que quem quer que insulte o profeta do Islã, Maomé, deve ser morto", declarou Ali Alkali, líder muçulmano de Kaduna, Nigéria. "Todo muçulmano que encontre o poeta cristão renascentista deve matá-lo sem hesitação". O embaixador português em Londres, Octavio Pepetela, se declarou "chocado e vagamente intrigado".

(O trecho em questão aparece na estrofe 99, Canto I dos "Lusíadas":

O mesmo o falso Mouro determina
Que o seguro Cristão lhe manda e pede;
Que a Ilha é possuída da malina
Gente que segue o torpe Mahamede...
)

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Postado por Alexandre Soares Silva
28/11/2002 às 22h24

 
O mundo como ele é

Edward J. Kelty percorreu os Estados Unidos, durante a Era do Jazz e da Depressão, fotografando circos americanos. A foto abaixo, sem a nitidez original, perde em detalhes bizarros. Mas conforme-se. E repare - nos ônibus, na calçada, nos restaurantes, no metrô - na assustadora feiúra de quem participa do seu dia-a-dia. Ou, se conseguir, contemple, com tempo e cuidado, a sua própria imagem projetada em um espelho. Vai perder o impacto engraçado da comparação, mas talvez não deixe muito a desejar. Somos todos incrivelmente esquisitos.

Congress of Freaks



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Postado por Eduardo Carvalho
28/11/2002 às 19h56

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