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Quarta-feira, 11/12/2002
Blog
Redação
 
Mise en abime

Miguel de Cervantes levou dez anos para escrever a segunda parte de Don Quixote de La Mancha. Nestes dez anos, a primeira parte ficou famosa. De sorte que, quando o cavaleiro e seu fiel Sancho Panza retomam suas aventuras pelo mundo, é o mesmo mundo do primeiro volume mas com uma diferença importante: neste mundo existe um livro publicado e muito comentado sobre as aventuras de um certo fidalgo chamado Don Quixote de la Mancha e seu escudeiro, do qual o próprio Don Quixote, tornado famoso pelo livro, ouve falar, embora não chegue a ler. As alucinações do Don no primeiro volume tomam forma e o assolam de verdade no segundo, em grande parte porque, depois da publicação do primeiro volume, suas humilhações são esperadas, e provocadas, pelo público. E assim, como observou o escritor Martin Amis num comentário sobre a obra, o aristocrata enlouquecido pela literatura que se transforma no seu próprio personagem andante num mundo irreal, do primeiro volume, enfrenta uma realidade enlouquecida pela literatura, no segundo.

Como o próprio Cervantes, que quando escreveu o segundo volume já não era o mesmo escritor, era o mesmo escritor tocado pelo sucesso da primeira parte, portanto com outra relação com seu personagem - e com a realidade.

Acho que o Borges tem um conto sobre a impossibilidade de desenhar um mapa cem por cento fiel do mundo e dos seus habitantes, pois o último homem desenhado teria que fatalmente ser o desenhista fazendo o desenhista fazendo o desenhista fazendo o desenhista fazendo o desenhista...

Ainda o Pai das Cobras, no Estadão

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Postado por Julio Daio Borges
11/12/2002 às 10h05

 
As Cobras

Durante as duas décadas em que foram desenhadas por Verissimo, as Cobras divagaram sobre a imensidão do universo, conversaram com Deus, participaram de eleições, montaram times de futebol, mas uma coisa nunca tinham feito: mover-se. Pois agora elas se movem, como provam as tiras animadas acessíveis nesta página (clique sobre cada uma das imagens e confira):

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[Também no Portal Literal]

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Postado por Julio Daio Borges
10/12/2002 às 17h16

 
Portal Literal

Cada qual vai para um quarto. Renê sabe que eu não gosto de promiscuidade. Eu vou para o quarto com o paulista. Sento num sofá. Ele também senta. Depois deita a cabeça no meu colo, diz que não está com vontade de fazer nada, "esses caras cismaram que eu hoje tinha que ir com uma garota pra cama, mas vamos só conversar, está OK?". Eu digo que está OK. Ele diz que não quer estragar as coisas. Eu digo que está bem. (Quero ir para o Zum Zum.) Passo a mão nos cabelos dele. "Eu não quero fazer isso", diz ele, tirando a roupa. Eu também tiro a roupa e nos deitamos, ele sempre dizendo que não quer, mas me papando assim mesmo.

Adivinha quem é, acabei de descobrir neste site

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Postado por Julio Daio Borges
10/12/2002 às 16h58

 
Método

A preguiça resolve problemas. Quanto estou cheio de coisas pra fazer, deito no chão com um livro e fico assim durante dois ou três dias. De vez em quando paro pra ouvir Gilbert e Sullivan. Não falha: algumas coisas se resolveram sozinhas, outras chegaram a uma crise que já não precisa da minha intervenção, e quase sempre algum amigo meu, que havia pedido um favor, deixou de se considerar amigo meu, e portanto o favor não precisa mais ser feito. Tente, old boy.

Alexandre Soares Silva, no seu recém-inaugurado blog

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Postado por Julio Daio Borges
9/12/2002 às 13h41

 
Espectador idiota

Simpsons no Rio

A Fox exibe o episódio dos Simpsons sobre o Brasil e, no intervalo, coloca no ar uma nota institucional, explicando que o programa "diverte através do exagero". Fosse o brasileiro um povo bem humorado e isso seria completamente inútil. Explicar ou justificar uma piada, como precisou fazer a Fox, é tratar o espectador como idiota - ou assumir que ele realmente é um.

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Postado por Eduardo Carvalho
8/12/2002 às 20h58

 
Máfia do Dendê

Ditadura invertida

Paulo Francis chamava de Máfia do Dendê "os baianos que gostam de cantar na televisão". É a turma encabeçada por Caetano, disfarçada de liberal e intelectual, que controla a produção de música brasileira e apóia Antonio Carlos Magalhães. Ninguém ousa desafiá-los: não tem espaço, se for músico; e perde o emprego, se for jornalista. É um esquema canalha e corrupto, mas nunca discutido. Um método grotesco de promoção da mediocridade, que afoga a criatividade e cala a resistência. Isso é, em bom português, ditadura. Imposta exatamente pelos metidos a bacanas que, há poucas décadas, brincavam de oposição. E, hoje, lucram com isso, colecionando elogios de celebridades, de Sontag a Almodóvar, e dinheiro fácil, incorporando estilos e reciclando fórmulas. Uma moleza.

Mas não é, na verdade, só de moleza que eles gostam. Caetano, por exemplo. Em 1993, quando um jornalista foi procurá-lo em Londres para uma entrevista, quando comemorava 25 anos de exílio, foi curto e grosso: só concederia em troca de uma coisa. E vocês sabem qual é. O homem saiu correndo. E quase perdeu o emprego por causa disso. É assim que funciona: a Máfia do Dendê também tem os seus métodos próprios de tortura. Que são indiscutivelmente piores do que muitos aplicados pela Ditadura Militar. Uma aplicação de Caetano Veloso é talvez o pior massacre a que um homem pode se submeter. Esta é - reparem no trocadilho - uma ditadura invertida.

Quem conta essa história, com todas as letras, é o premiado jornalista investigativo Cláudio Tognolli, em imperdível conversa com, entre outros, Roberto Freire e Sérgio Martins. E aponta, ainda, os membros da Máfia, que todo mundo sabe qual é: além de Caetano, Gilberto Gil, Maria Betânia, e Gal Costa. Não precisava nem dizer: exatamente os mesmos que, ontem, no Ibirapuera, reuniram mais de cem mil pessoas, embaixo de chuva. E por quê? Porque ninguém resiste à persistente propaganda, há semanas em cadernos culturais, da volta dos Doces Bárbaros. Muito mais bárbaros do que doces, ao que parece.

Essa patrulha nojenta encontra, na imprensa brasileira, um único opositor, segundo Tognolli: Luís Antônio Giron, "o homem que mais entende de música". Mas seu empenho solitário dificilmente será suficiente. A Máfia do Dendê abafa com facilidade ruídos dissonantes. E, com insistente promoção, cativa novas gerações, que mereceriam, em 2002, coisa melhor ou, no mínimo, diferente do que seus pais, há três décadas, tiveram. A doutrinação, que começa na escola - com Caetano elevado a poeta erudito - e passa pela imprensa - como se fossem eles expoentes do bom gosto -, está na hora de acabar. Esta ditadura está longa demais. Cansou.

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Postado por Eduardo Carvalho
8/12/2002 às 17h03

 
Furo

"Hoje é pecado não falar português errado. O mau português virou língua oficial. Ai de quem se meter a besta e conjugar os verbos corretamente; ai de quem, mesmo que por acaso, acertar todos os plurais; ai de quem, na maior cara de pau, conseguir se entender com todas as concordâncias - e ai daquele que, num acesso de loucura, cometer um texto ou uma fala em português impecável."

Eu escrevi isso no dia 8 de novembro de 2002 e, na ocasião, muitos vieram dizer que eu pegava no pé do pobre do Lula. Pois é, até eu ler isso aqui:

"Por que não me ufano - Lula, seus companheiros de PT e grande parte da população maltratam o idioma cortando o 's' final das palavras e todas as concordâncias que a lógica sintática pede. Que não seja a morte do plural, em nenhum dos sentidos."

Quem assina é o Daniel Piza. Foi publicado no dia 24 de novembro de 2002, no Estadão. E, para meu maior espanto, isso aqui também:

"Mas o PT mudou, Lula mudou, os empresários mudaram, o país mudou, certo? Por que [o professor] Pasquale não mudaria também? No domingo, em entrevista ao repórter Jorge Bastos Moreno publicada no jornal O Globo, o homem que ensina português decretou que, depois da vitória da Lula, as regras deixaram de valer para a linguagem oral. Está certo, agora, falar errado. O leitor de Pasquale deve aproveitar as lições só quando estiver escrevendo. Falando, liberou geral."

Com data de 7 de dezembro de 2002, assinado por Augusto Nunes, no no mínimo. Quem sabe, agora, concordem com o que eu disse lá no começo.

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Postado por Julio Daio Borges
7/12/2002 às 15h58

 
H. L. Mencken na New Yorker

H. L. Mencken

A New Yorker está se movimentando em uma homenagem ao mais influente jornalista norte-americano do século XX, Henry Louis Menken, com um texto sobre e outro do próprio Mencken, no arquivo da revista. Saiu agora, nos Estados Unidos, uma nova biografia do homem que escrevia seus artigos com a mesma precisão e senso de humor que penteava seu cabelo: The Skeptic: A Life of H. L. Mencken, assinada por Terry Teachout.

Ainda não li inteiro o texto de Joan Acocella, porque estou esperando o meu exemplar chegar - mas li, há umas duas semanas, a resenha da The Economist. Parece que Teachout consegui ler Mencken com o cuidado e respeito que ele merece, evitando conclusões bobas e tortas, às quais mesmo acadêmicos menckenianos são seduzidos. Interpretações sobre suas posições particulares caem no absurdo, quando, baseadas em extravagâncias e estereótipos que Mencken propositalmente encenava, acusam-no de anti-semita, racista, anti-democrático, ou qualquer outra baboseira do gênero - como fez, por exemplo, Charles Fecher, que organizou e prefaciou seu diário.

A prosa de Mencken está muito além de considerações politicamente corretas, e ele muito provavelmente desaprovaria e dispensaria, com sua habitual deselegância, uma Escola Menckeniana - assim como, sempre quando pôde, ridicularizou a produção acadêmica norte-americana. Uma linha acadêmica menckeniana e politicamente correta, então, é tudo que ele não merece. Espero que Teachout tenha tirado Mencken dessa.

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Postado por Eduardo Carvalho
5/12/2002 às 23h12

 
Literatura e vida literária

legenda

Literatura e vida literária. Diário e confissões de Álvaro Lins. Faço minha, por conveniência, a admissão de Wilson Martins: "Eu não sei até que ponto parecerá snob esta declaração, mas a verdade é que eu me encontro várias vezes no pensamento de Álvaro Lins." Como, por exemplo:

Ah, a tristeza de saber, no fim da leitura de certos livros, que nunca mais os leremos pela primeira vez, que não se repetirá jamais a sensação da primeira leitura, que não teremos renovada a felicidade de ignora-los num dia e conhecê-los no dia seguinte!

Tenho a impressão de que, ao exigir-se de um personagem de um romance que ele seja lógico, também se exige que ele seja medíocre.

Penso hoje que tudo nos escapa sem sentido e sem conseqüências. Não sabemos nada da vida; a vida foge de nós a cada dia que passa.

Eu sou talvez o crítico que, nos seus artigos, menos oferece frases de elogios para propaganda na capa dos livros...

O conceito de elite em literatura não implica qualquer privilégio odioso. Não é de uma classe; e nada tem de vitalício ou hereditário. É uma situação que se conquista e se retém pelo espírito e pelos dons pessoais.

Não sei se será um felicidade ou uma desgraça que neste mundo os pobres de espírito e os idiotas estejam sempre em maioria. E a verdade é que ninguém prescinde dessa maioria para a criação de qualquer coisa de ordem superior.

Continuo no meu propósito de não dar respostas literárias senão a escritores que tenham verdadeira categoria intelectual. Para os outros, conservo um silencio de invariável desprezo.

Artigo de Rubem Braga sobre Oswald de Andrade. Poucas vezes tenho lido coisa tão estúpida.

Vou compreendendo, com alguma tristeza, que o gosto das idéias e o exercício da literatura não me permitiram, na época própria, a sensação de ter vinte anos. Sinto-me como alguém cujo pensamento envelheceu há muito tempo.

Hoje, sem nenhum motivo, uma grande sensação de tristeza, de vazio, de inutilidade de todas as coisas e da própria vida.

Nada existe com um caráter mais parricida do que a rotina. Ela mata a realidade mesma que a criou.

Há certos inimigos que se acham sempre na minha gratidão. Como eles têm contribuído para o êxito e autoridade da minha crítica!

F. é otimista sem ser imbecil. E como isto é raro!

Horror ao sujo: no interior como no exterior das pessoas.

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Postado por Eduardo Carvalho
4/12/2002 às 17h11

 
Conversa de pai e filha

- Pai, eu tenho um namorado.

Pai, que ouve isto da filha mocinha, pela primeira vez, sente uma dor muito grande. Todo sangue lhe sobe à cabeça, e o chão do mundo roda sob seus pés. Ele pensava, até então, que só a filha dos outros tinha namorado. A sua tem, também. Um namorado presunçosamente homem, sem coração e sem ternura. Um rapazola, banal, que dominará sua filha. Que a beijará no cinema e lhe sentirá o corpo, no enleio da dança. Que lhe fará ciúmes de lágrimas e revolta; pior ainda, de submissão, enganando-a com outras mocinhas. Que, quando sentir os seus ciúmes, com toda certeza, lhe dirá o nome feio e, possivelmente, lhe torcerá o braço. E ela chorará, porque o braço lhe doerá. Mas ela o perdoará no mesmo momento ou, quem sabe, não chegará, sequer, a odiá-lo. E lhe dirá, com o braço doendo ainda: "Gosto de você, mais que de tudo, só de você." Mais que de tudo e mais que dele, o pai, que nunca lhe torceu o braço. Só de você é não gostar dele, o pai. E pensará, o pai, que esse porcaria de rapaz fará a filha mocinha beber whisky, e ela, que é mocinha, ficará tonta, com o estômago às voltas. Mas terá que sorrir. E tudo o que conseguir dela será, somente, para contar aos amigos, com quem permuta as gabolices sobre suas namoradas. Ah! O pai se toma da imensa vontade de abraçar-se à filha mocinha e pedir-lhe que não seja de ninguém. De abraçá-la e rogar a Deus que os mate, aos dois, assim, abraçados, ali mesmo, antes que torçam o bracinho da filha. Como é absurda e egoisticamente irracional amor de pai! Mais que ódio de fera. Ele sabe disso e se sente um coitado. Embora sem evitar que todos esses medos, iras e zelos passem por sua cabeça, tem que saber que sua filha é igual à filha dos outros; e, como a filha dos outros, será beijada na boca. Ele, o pai, beijou a filha dos outros. Disse-lhe, com ciúme, o nome feio. E torceu-lhe o braço, até doer. Nunca pensou que sua namorada fosse filha de ninguém. Ele, o pai, humanamente lamentável, lamentavelmente humano. Ele, o pai, tem, agora, que olhar a filha com o maior de todos os carinhos e sorrir-lhe um sorriso completo de bem-querer, para que ela, em nenhum momento, sinta que está sendo perdoada. Protegida, sim. Amada, muito mais. E, quando ela repetir que tem um namorado, dizer-lhe apenas:

- Queira bem a ele, minha filha.

Antônio Maria, em "Conversa de pai e filha", parte do recém-lançado Benditas sejam as moças - As Crônicas de Antônio Maria

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Postado por Julio Daio Borges
4/12/2002 às 12h07

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