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Sexta-feira,
17/1/2003
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Redação
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O filho da Marisa Monte
Mano Wladimir está tenso. No colo da mãe, Marisa Monte, ele ainda não conseguiu entender exatamente o que está se passando. Ao seu lado, Carlinhos Brown conversa com Wally Salomão, que cita uma poesia de Caetano Veloso, que dá um brigadeiro orgânico (sem chocolate e sem leite condensado) para Zeca, que leva um pito da mãe, Paula Lavigne. Mano Wladimir está tenso. É a sua primeira festa de aniversário.
"Criança sã/ De uma rã/ Guardiã/ Eu sou seu fã/ Na manhã/ Aramaçã/ Cunhã". A música infantil escrita por Arnaldo Antunes especialmente para a festa é a trilha sonora da dança das cadeiras. Nada da Turma da Mônica, nada de atores desempregados vestidos de Pikachu. Aqui a coisa é diferente. MM resolveu ser mãe em grande estilo e contratou a Companhia Bufa de Artes e Performances do Absurdo para animar a festa. Fantasiado de Ed Motta, um ator recita de trás para a frente toda a obra de Eça de Queiroz para algumas crianças. Do outro lado da sala, um grupo de clowns (sim, porque numa festa como essa é proibido ter palhaço) ensaia uma volta à posição fetal enquanto ostenta reproduções dos parangolés de Hélio Oiticica. Num canto, Carlinhos Brown dá uma entrevista para uma repórter da revista Bravo, escalada especialmente para cobrir o evento.
- E aí, Brown? Está feliz com o primeiro aninho do Mano Wladimir?
- É uma coisa da modernidade nagô, no que tange a referência espaço/tempo do ciclo da história humana. O cósmico supremo da realização superlativa, a poética da bioenergia enquanto motor da sublimação ótica. É onde o eu e o tu fundem-se na epiderme inconsciente.
- E o que você deu de presente para ele?
- Pensei na questão do pacifismo, na guerra como catalisador das emoções humanas ao mesmo tempo em que atrai e repudia o ser. A máquina ceifadora que gera vibrações orgônicas, que tangencia e descontinua a unidade solar dos povos.
- Como assim?
- Eu dei um boneco dos Comandos em Ação...
Enquanto as crianças não podem comer o bolo de cenoura, aniz e mel de cana - que traz estampado uma reprodução de O Abaporu, de Tarsila do Amaral, em sua cobertura - Marisa Monte serve a elas copos de suco de gengibre e balas de cravo da Índia. Até que Paula Lavigne tem a idéia de chamá-las para um karaokê.
Quem começa a brincadeira é Benedito Tutankamon Pedro Baby, cinco anos e filho de um dos roadies de Arnaldo Antunes, que canta O Avarandado do Amanhecer, de Caetano Veloso. Em seguida é a vez de Zabelê Tucumã Nhenhé Çairã, três anos e filha da empresária de Carlinhos Brown, que canta Ana de Amsterdã, de Chico Buarque. Ao saber que a próxima criança a cantar é a impronunciável Zadhe Akham Mahalubé Sinosukarnopatrionitnafilewathua, filha da copeira de Marisa Monte, Paula Lavigne acha melhor suspender o karaokê.
É hora do Parabéns a Você. Os convidados reúnem-se em torno da mesa. E então, Marisa Monte anuncia uma surpresa: quem irá cantar o Parabéns é Carlinhos Brown.
Brown, que andava meio sumido depois de sua entrevista para a Bravo, aparece vestido com um cocar feito de canudinhos de plástico, uma camisa de jornal e uma tanga de folhas de bananeira. Atrás dele, 315 percussionistas da Timbalada, um videomaker e quatro poetas marginais. Brown pega um garrafão de água mineral e começa a cantar sua versão para Parabéns a Você:
- Vim para cantar/ A tropicália alegria de um povo/ Azul, badauê, zumbi/ Ela não me quer/ Mas sou um tacle regueiro/ Viva o divino samba de João/ Monarco na rua/ Meu bloco chegou.
Arnaldo Antunes se empolga e começa a recitar poesias descontroladamente, Marisa Monte gorgeia e improvisa algumas melodias, a Timbalada toca um samba-reggae, Paula Lavigne cai na farra e Caetano acha tudo "lindo". O videomaker filma tudo e Wally Salomão escreve o release. Os poetas marginais aproveitam a confusão para roubar uns docinhos.
Um executivo de uma grande gravadora, que entrou de penetra, contrata todos os presentes e promete CD, DVD, livro, críticas favoráveis no New York Times, participação de David Byrne e especial de televisão. Para comemorar, Arnaldo Antunes põe um disco de Lupicínio Rodrigues. O ator vestido de Ed Motta cospe fogo. Marisa Monte lê Mário Quintana em voz alta. Mano Wladimir chora. É a sua primeira festa de aniversário.
"A primeira festa de aniversário de Mano Wladimir", por Vladimir Cunha
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Julio Daio Borges
17/1/2003 às 12h46
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O ovo de galinha
I
Ao olho mostra a integridade
de uma coisa num bloco, um ovo.
Numa só matéria, unitária,
maciçamente ovo, num todo.
Sem possuir um dentro e um fora,
tal como as pedras, sem miolo:
e só miolo: o dentro e o fora
integralmente no contorno.
No entanto, se ao olho se mostra
unânime em si mesmo, um ovo,
a mão que o sopesa descobre
que nele há algo suspeitoso:
que seu peso não é o das pedras,
inanimado, frio, goro;
que o seu é um peso morno, túmido,
um peso que é vivo e não morto.
II
O ovo revela o acabamento
a toda mão que o acaricia,
daquelas coisas torneadas
num trabalho de toda a vida.
E que se encontra também noutras
que entretanto mão não fabrica:
nos corais, nos seixos rolados
e em tantas coisas esculpidas
cujas formas simples são obra
de mil inacabáveis lixas
usadas por mãos escultoras
escondidas na água, na brisa.
No entretanto, o ovo, e apesar
da pura forma concluída,
não se situa no final:
está no ponto de partida.
III
A presença de qualquer ovo,
até se a mão não lhe faz nada,
possui o dom de provocar
certa reserva em qualquer sala.
O que é difícil de entender
se se pensa na forma clara
que tem um ovo, e na franqueza
de sua parede caiada.
A reserva que um ovo inspira
é de espécie bastante rara:
é a que se sente ante um revólver
e não se sente ante uma bala.
É a que se sente ante essas coisas
que conservando outras guardadas
ameaçam mais com disparar
do que com a coisa que disparam.
IV
Na manipulação de um ovo
um ritual sempre se observa:
há um jeito recolhido e meio
religioso em quem o leva.
Se pode pretender que o jeito
de quem qualquer ovo carrega
vem da atenção normal de quem
conduz uma coisa repleta.
O ovo porém está fechado
em sua arquitetura hermética
e quem o carrega, sabendo-o,
prossegue na atitude regra:
procede ainda da maneira
entre medrosa e circunspecta,
quase beata, de quem tem
nas mãos a chama de uma vela.
João Cabral de Melo Neto, no livro Serial (também encontrável na coleção "Novas Seletas")
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Julio Daio Borges
16/1/2003 às 17h40
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O webjornalismo agradece II
Trata-se de um dos estudos mais abrangentes sobre jornalismo na internet, citando o Digestivo Cultural. Eu havia mencionado uma parte, mas descobri que há mais, muito mais. Cada parágrafo abaixo se refere a um texto completo, assinado por Mismana Militão (da UFBA). Embora contenha erros (que pretendo retificar), segue como um reconhecimento importante:
A vez do leitor - Quando entra no Digestivo Cultural, o internauta participativo nem reclama do "pop up". (...) A atualização é quase imediata. Há um indicativo do número de acessos/ dia e quantos estão na página. Com a iniciativa, os processos interativos são valorizados. (...) Para fazer o leitor aparecer junto com o material do site, existem ainda os fóruns para os textos que receberam maior repercussão. Os comentários referentes aos colunistas e ensaístas do site são postos logo abaixo de cada texto. E o internauta, é claro, responde à altura.
Memória circular - O Digestivo Cultural traz os links de memória disponíveis ao final do texto atualizado de cada seção. Se alguém quer conhecer a proposta da página, pode encontrar junto com o texto atual os principais editoriais publicados e entender a política do site como um todo. (...) No Digestivo, é fácil achar qualquer arquivo anterior bem na página principal. Junto com o espaço de cada seção está um caixa de opção que funciona como uma busca específica dando os títulos dos textos já publicados. (...) O recurso da memória também é responsável por reformulações de posicionamento do conteúdo. No Digestivo, os textos mais frequentados ganham destaque na primeira página com todos os comentários que conseguiu atrair e se transformam em fóruns de discussão.
Elevado à potência - A arquitetura do Digestivo Cultural, estruturada em links coerentes soube potencializar a navegação em todo o material produzido. A informação circula por entre as Notas, Colunas, Ensaios, Especiais, Editoriais, aproveitando os pontos de referência que os textos e seções têm em comum. Após as análises sobre os mais diferentes produtos culturais, há links para os sites oficiais de cantores, filmes, apresentações, exposições e coisas do gênero.
Mercado de Trabalho - O Digestivo Cultural (...) estabelece a produção numa dinâmica profissional. Divulga periodicamente releases sobre a estrutura e boa repercussão do conteúdo que oferece. O objetivo é atrair parceiros e patrocinadores. A repercussão do site na mídia oficial é apresentada como sinal de prestígio. (...) Ser jornalista formado não é exigência. No Digestivo Cultural boa parte dos redatores são profissionais bem sucedidos em outras áreas como médicos, advogados e engenheiros.
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Julio Daio Borges
13/1/2003 às 17h47
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Vargas Llosa e Wittgenstein
E Mario Vargas Llosa descobriu, em Máncora, Wittgenstein...
"(...) leio a excelente biografia a ele dedicada por Ray Monk (Anagrama) e descubro nessas páginas que esse príncipe da lógica e das matemáticas, deve ter sido uma pessoa irresistível. Genial, sem dúvida, mas intratável e feroz, sobretudo com seus colegas e amigos que o admiravam e queriam bem e que faziam de tudo para ajudá-lo, como Bertrand Russell ou John Maynard Keynes.
"Com certeza, ele não teria aprovado o hedonismo, nem o materialismo, nem a frívola ligeireza da vida desses jovens ansiosos de gozar a todo custo (à custa de tudo), ávidos de bens materiais. Não. Ele pertencia a uma das famílias mais ricas da Europa, mas renunciou a toda a sua abundante fortuna para viver com austeridade monacal. Foi jardineiro de conventos, trabalhador industrial, mensageiro de laboratório e tentou seriamente deixar sua cátedra de filosofia de Cambridge para ir trabalhar como operário mecânico na Rússia.
"Ele sempre acreditou que o trabalho manual dignificava e que, em troca, o labor intelectual, sobretudo em sua versão acadêmica, tinha algo de irreal e, portanto, desprezível. Mas, apesar dessas idéias, foi um intelectual em grau extremo e deixou uma obra que continua fermentando nos claustros universitários de meio mundo, enquanto esses brilhantíssimos alunos de seus cursos, aos quais ele convencia a renunciar à filosofia e tornar-se camponeses e operários - foi esse o caso de seu amante Francis Skimmer - acabaram quase todos muito mal.
"Aqui em Máncora, nesse belíssimo lugar, Ludwig Wittgenstein teria sentido repulsa, horror no meio de todos esses belos adolescentes que cultivam seus corpos e são sensuais, alegres, superficiais, frívolos e que, em sua grande maioria, não chegam a desprezar a cultura, pois nem mesmo têm consciência de que ela existe. Mas também ele não teria aprovado essas vocações despertadas e aproveitadas pelo integralismo católico, apesar da religiosidade profunda que marcou sua vida e, talvez, também sua obra (ele acreditava que sim, mas os filósofos não o aceitam).
"Seu cristianismo não foi jamais gregário nem institucional, mas uma forja solitária, um esforço individual para reprimir em sua vida tudo aquilo que não fosse coerente com sua lista particular de valores, segundo a qual era preciso viver com total sobriedade e modéstia, desprezando o êxito, mas era lícito castigar os maus alunos (e ele fez isso como mestre-escola na Áustria) e humilhar publicamente os colegas menos talentosos do que ele (quase todos, na sua opinião).
"A biografia de Ludwig Wittgenstein me fascinou (...)"
[Hoje, no Estadão.]
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Julio Daio Borges
12/1/2003 às 17h49
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Outra América é Possível
A cidade de Belém sediará, neste fim de semana, o Fórum Social Pan-Amazônico. E um dos seminários previstos é o seguinte: sob o título "Outra América é Possível", discorrerão os seguintes convidados:
Luis Ignácio Lula da Silva - Presidente do Brasil
Hugo Chavez - Presidente da Venezuela
Lucio Gutierrez - Presidente do Equador
Precisa dizer mais alguma coisa?
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Eduardo Carvalho
9/1/2003 às 21h43
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O quarto, segundo a Toupeira
"Não queria de maneira nenhuma abandonar sua nova vida e seus espaços incríveis, virar as costas ao sol, ao ar puro, e a tudo o que ofereciam e engatinhar de volta para casa e ficar quieto; o mundo lá de cima era forte demais, ainda o atraía, mesmo estando ali embaixo, e sabia que teria de retornar ao palco principal. Mas também era bom pensar que tinha para onde voltar, este lugar que era todo seu, estas coisas que estavam tão alegres de vê-lo novamente e com as quais podia sempre contar para as mesmas sinceras boas vindas" (Kenneth Grahame, O vento nos salgueiros).
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Ricardo de Mattos
8/1/2003 às 10h51
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Leitura, segundo Eça
"Esta expressão «Leitura», há cem anos, sugeria logo a imagem de uma livraria silenciosa, com bustos de Platão e de Séneca, uma ampla poltrona almofadada, uma janela aberta sobre os aromas de um jardim: e neste retiro austero de paz estudiosa, um homem fino, erudito, saboreando linha a linha o seu livro, num recolhimento quase amoroso. A ideia da leitura, hoje, lembra apenas uma turba folheando páginas à pressa, no rumor de uma praça" (Eça de Queirós).
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Ricardo de Mattos
8/1/2003 às 10h51
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O Estilo, segundo Petrarca
"Prefiro acima de tudo que meu estilo seja meu, inculto e rude, mas feito sob medida, como um traje, do tamanho de minha mente, e não da de outra pessoa, que pode ser mais elegante, ambiciosa e adornada, mas que, derivando de um gênio maior, continuamente me escorrega, sendo do tamanho errado para as humildes proporções de meu intelecto" (Petrarca)
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Postado por
Ricardo de Mattos
8/1/2003 às 10h49
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Entrevista a Agulha
Antes de qualquer outra coisa, um pouco de biografia: de onde emergiu Julio Daio Borges, o que fazia antes, em resumo, quem é você? Em especial, antes do Digestivo, seu campo de atuação era mais o jornalismo impresso, marketing, informática?
Sou engenheiro por formação. Estou ligado aos computadores desde os onze anos de idade. E às letras, desde os dezessete. Mantive sempre essa dualidade. De 1996 até 2001, trabalhei em bancos, consultorias e empresas de telecomunicação. O lado engenheiro prevaleceu nessa época. Mas eu nunca parei de escrever. Montei um site pessoal (jdborges.com.br, em 1999) e o Digestivo Cultural (digestivocultural.com, em 2000). No entanto, foi só em meados de 2001 que o jornalista emergiu, e subjugou o engenheiro. (Quer dizer, em termos: para estruturar o Digestivo, eu precisei muito da minha "expertise" de engenheiro.)
Examinando tudo o que você apresenta, fica-se com a impressão de que é simples manter à tona um periódico eletrônico. Basta trabalhar 26 horas por dia. É isso mesmo?
Considero uma profissão de fé. Um verdadeiro ato de heroísmo. Trabalhar com cultura no Brasil. Ainda é aquele negócio da cereja no bolo. Quando você fala sério, é considerado chato, difícil, prolixo. Quando você faz piada, acaba atraindo um leitor ou outro, mas corre o risco de se repetir e cair no entretenimento puro e simples. Na internet, mais ainda. Já reparou que nós somos os "filhos do jornalismo impresso" falando para os "filhos da televisão"? O diálogo parece impossível (e é), mas, ainda assim, existe (embora pouca gente queira investir nisso).
Dê algumas coordenadas cronológicas: quando foi que você começou a pensar em fazer um informativo, jornal ou boletim, eletrônico? Como surgiu a idéia? Digestivo? De onde saiu esse título? Anglicismo, é? De digest, um sumário ou condensação de informações?
O Digestivo propriamente dito surgiu em setembro de 2000. Eu estava tentando resolver esse enigma: por um lado, o desejo de escrever e seguir carreira em jornalismo; por outro, a internet se abrindo como um mar de possibilidades. Então pensei num formato relativamente breve, falando de cultura, num sentido utilitarista e, ao mesmo tempo, crítico. O nome vem daí. É contraditório, na verdade. Mas é também simpático e as pessoas, em geral, apreciam. Eu queria que o Digestivo - como boletim - fosse auto-sustentável e, portanto, me direcionei a um público mais amplo. Não queria apenas os iniciados, nem só os especialistas.
Quais as razões da escolha do segmento cultura, e não economia e/ou política, ou negócios em geral, por exemplo? Em tese, dariam mais Ibope. Aliás, é cultura, ou cultura e variedades?
Por que "cultura"? É o mesmo que me perguntar por que "azul" e não "vermelho". Simplesmente porque me pareceu o caminho mais natural. Nunca me vi editando um semanário sobre economia ou política. Fora que o efêmero não me atrai. A informação, a notícia. Prefiro a análise, a reflexão. Admiro os repórteres, claro, mas sempre preferi o lado mais autoral do jornalismo. O subjetivo em vez do objetivo. Sem dizer que economia e política não são assuntos que eu domino (ou que tenho pretensão de dominar). Sobre cultura dar pouco Ibope, não concordo. Basta pensar em três dos colunistas mais populares no Brasil: Diogo Mainardi, que "mexe com cultura"; José Simão, que escreve na Ilustrada; e Luis Fernando Verissimo, que escreve no Caderno2.
Quanto tempo levou, entre definir as principais características do Digestivo, e pô-lo no ar? Houve modelos, veículos nos quais se inspirou?
O Digestivo Cultural, como ele é hoje - falo do site como um todo -, resultou de um trabalho de mais de dois anos. Como eu disse, a minha referência e a dos Colunistas era fundamentalmente a imprensa escrita. A partir disso, a idéia foi dinamizar alguns processos aproveitando as facilidades da internet. Em termos de publicação, por exemplo: cada um hoje publica, controla e modifica o seu texto automaticamente. Em termos de interatividade, outro exemplo: por meio de fóruns, e-mails, número de acessos, lista dos mais lidos, etc. Foi um grande aprendizado - e continua sendo. Algumas idéias mirabolantes se revelaram inúteis; outras, nem tanto, produziram resultados surpreendentes.
Quando o Digestivo Cultural foi lançado, há pouco mais de dois anos, as expectativas sobre o crescimento de veículos eletrônicos eram outras. Hoje, reverteram-se. Havia uma previsão, talvez apocalíptica, de substituição total ou parcial do jornalismo impresso pelo eletrônico, que não se cumpriu. Você não acha que está pisando em um campo minado? Você chegou a fazer uma análise crítica de outros projetos, a diagnosticar onde falharam?
Quando o Digestivo apareceu, a internet já claudicava (estamos falando do final de 2000). Quando chamei os Colunistas, e decidi implementar a revista eletrônica (início de 2001), ninguém pensava em faturar milhões. Queríamos fazer barulho, mostrar um trabalho digno de nota, provar que havia novos talentos não contemplados pela imprensa, agitar o meio, derrubar alguns paradigmas, etc. Nesse sentido, diria que conseguimos. Óbvio que, em outros tempos, o conteúdo do Digestivo seria remunerado por um portal - e, quem sabe, poderíamos viver disso (o que não acontece hoje). Sobre a análise crítica de outros sites, ela é feita constantemente e nos ensina muito.
Quando, nos informativos sobre o Digestivo Cultural, você declara viabilidade econômica, o que isso significa? Cobertura de custos de manutenção, ou que dá para viver bem disso? Quanto por cento da sua receita é diretamente ligada ao Digestivo (anunciantes, patrocinadores, assinantes), e às vendas ou à prestação de serviços, do tipo construção de sites? (isso, mesmo considerando a óbvia sinergia entre ambos, que um puxa o outro, que a circulação do Digestivo o fortalece em prestação de serviços e vice-versa).
Quando falo em viabilidade econômica, falo em custos muito baixos se compararmos o Digestivo a uma publicação equivalente em papel. Como a estrutura já está montada, não há quase manutenção. Fora que o site e as facilidades que a internet proporciona eliminam uma porção de intermediários. Há basicamente a redação, para se remunerar - o que é, convenhamos, a parte menos onerosa de uma revista ou de um jornal. Quanto às receitas, o grosso vem do e-commerce (no entanto, muito longe daquilo que você está imaginando). Já a publicidade em internet foi praticamente banida - ficando restrita aos grandes portais (às vezes, nem isso). E a parte de serviços vai crescendo aos poucos, embora tenha sofrido um baque com a desaceleração geral da mídia.
O Digestivo Cultural apresenta textos e informação, mas também bastante e-commerce. Em parte, não seria um Submarino terceirizado? (ou seja, assumindo funções de que Submarino desistiu, diretamente, como sua própria revista)
A pergunta é interessante. Sérgio Buarque de Holanda tentou introduzir Weber no Brasil, mas tudo indica que não foi feliz. Aqui, ganhar dinheiro ainda é pecado. Entre a intelectualidade, então, pecado mortal. Assim, se um "site de cultura" se propõe a faturar alguns trocados com os produtos que gratuitamente divulga, logo é tachado de "vendido" ou de "mercenário". O que existe entre o Digestivo Cultural e o Submarino é uma relação de parceria comum, e nada mais. Acontece que nos pareceu lógico oferecer a facilidade de se adquirir livros, CDs e DVDs via internet, através do nosso site, e receber uma comissão por isso. Os intelectuais brasileiros precisam perder esse preconceito. Quem sabe abandonando o voto de pobreza e pensando em soluções comercialmente mais viáveis. Teríamos, inclusive, publicações financeiramente mais salutares.
O que lhe deu maior prazer publicar, lhe provocou maior satisfação? Do Digestivo atual, o que lhe agrada mais? Fale um pouco mais sobre a contribuição propriamente cultural do Digestivo, o que ele acrescenta, além de possibilitar acesso a mais informações via net e, portanto, dar sua contribuição para a democratização da informação.
Não vou falar de um texto ou outro, porque cometeria certamente alguma injustiça com algum colaborador. O que me orgulha mais é termos construído, a partir do zero, um periódico que hoje é referência em termos de jornalismo cultural, tanto dentro quanto fora da internet. Veja bem: eu sou praticamente um "outsider", não venho de nenhum jornal, nunca tive ligações na grande imprensa, entrei como novato nesse negócio. A maioria dos Colunistas também (começaram como eu). De repente, recebemos elogios do Millôr Fernandes, felicitações do Mino Carta. Depois uma citação honrosa do Sérgio Augusto, uma indicação do Ruy Castro. Uma menção do Daniel Piza, uma consideração do Sérgio Dávila, um voto de confiança do Luís Antônio Giron. Por fim, as mensagens do Diogo Mainardi, da Ana Maria Bahiana, o apoio da Sonia Nolasco. Tudo isso não é mera coincidência e eu não acredito que aconteça por acaso. Em termos de reconhecimento, ninguém imaginou que chegaríamos tão longe. Nem nós mesmos. Pessoalmente, acredito que nem ninguém mais chegue. É o tipo de coisa que não acontece duas vezes.
[Entrevista concecida a Claudio Willer, presidente da União Brasileira de Escritores (UBE), a ser publicada na revista Agulha, de Floriano Martins.]
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Postado por
Julio Daio Borges
6/1/2003 às 19h29
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Recesso
Abaixo a programação do Digestivo Cultural para os feriados:
* os Digestivos seguem nas retrospectivas por tema até dia 1º de janeiro de 2003. A partir do dia 2, voltam à programção normal;
* as Colunas seguem com o Especial Festas 2002 até o dia 27 de dezembro de 2002. Entram em recesso, então, a partir de 30 de dezembro de 2002, e retornam à programação normal no dia 6 de janeiro de 2003;
* os Ensaios não mudam de rotina. Nas próximas segundas-feiras, teremos textos de José Nêumanne, Sérgio Augusto e Luís Antônio Giron;
Ficam os votos de Feliz Natal e Próspero Ano Novo, de toda a equipe do Digestivo Cultural.
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Postado por
Julio Daio Borges
22/12/2002 às 08h00
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